domingo, 24 de novembro de 2013

Jazz. Encantamento. Karrin Allyson. «Fui peregrino das nuvens e das ondas, padeci da febre e da sede que rouba aos mareantes o sentido do tempo. E hoje, alquebrado pelas incertezas da idade, o que resta do que fui e do que amei?»

Cortesia de wikipedia


«Qualquer mês é bom para a despedida,
para arrecadar as cartas
na pequena caixa de laca, tão secreta,
onde se guardam as confidências e os medos,
onde ficam acantonados os sussurros
e os seixos da maré vaza.
Tenho passado a vida a despedir-me/
escrevendo na cinza e no deserto da página
os desabafos da minha sina errante,
as queixas da minha dor sem rosto.
Este é o mês pálido e silente
em que a solidão de um homem
se torna enfermidade sem remédio».



«Deixei pelo caminho, impenitente,
as mulheres, os filhos e as casas,
a nada criando apego, a nada
me prendendo, que eu temo os laços
que sufocam e paralisam, as amarras
que deixam um homem cativo da pedra,
refém da sua própria e minguada sombra.
Fui peregrino das nuvens e das ondas,
padeci da febre e da sede
que rouba aos mareantes o sentido do tempo.
E hoje, alquebrado pelas incertezas da idade,
o que resta do que fui e do que amei?
Uma estrela desenhada na areia
à espera que a maré a desfaça em espuma».


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