«(…) Tudo isto são coisas que me contaram. Obviamente que com cinco anos
não sabia nada disto. Se soubesse, seria um génio, e neste momento não me
encontraria sentada aos pés da cama com um homem de quarenta e cinco anos.
Provavelmente estaria na NASA a projectar uma nave espacial que nos levasse a
Marte. Apesar de a Cesária ter batido na porta várias vezes, não
me levantei. De vez em quando ia olhando para o relógio e via os minutos a passar.
Pensava nos meus amigos no colégio, a apanhar gigantescas secas dos
professores, mesmo sendo o último dia de aulas. Eu andava num dos colégios mais
caros da zona da Linha. Um colégio
internacional, onde se fala inglês, e onde estudam todos os filhos de
embaixadores e de presidentes de multinacionais. É um colégio onde
aparentemente todas as pessoas que o frequentam devem ser um exemplo em
comportamento. Não sei bem quem terá inventado que ter dinheiro é sinal de
possuir filhos sem esqueletos no armário. Mas já lá vou.
Deitada na cama, a olhar para o relógio, não deixava de pensar nas aulas
que estava a perder, mas sobretudo na aula que decorria naquele momento. A aula
onde o professor era o Mr. X,
que eu já tinha apanhado várias vezes a olhar para as minhas ma… As minhas ma… mas
são perfeitas. Pelo menos é o que as pessoas com quem vou para a cama costumam
dizer. Para mim são grandes demais. São um empecilho, pesam muito. Mas os
homens ficam hipnotizados. E o Mr. X
não era excepção, tendo-o eu apanhado a olhar para elas várias vezes. Quando
contei isso às minhas amigas, decidimos envergonhá-lo. Passámos a ir para as
aulas dele com dois botões da camisa da farda do colégio desabotoados. Ele
olhava para as minhas ma… como se estivesse a olhar para o Sol. Os olhos
estavam continuamente a focar-se nelas, mas ao fim de um segundo
lembrava-se que era professor e desviava de imediato o olhar. O problema é que
quase todas nós estávamos assim e, por isso, para metade da sala onde olhasse,
via camisas desapertadas, com maminhas bastante visíveis.
Ele sabia que não podia dizer nada à direcção do colégio, porque ninguém
iria dar-lhe razão, em como nós é que o provocávamos. Afinal de contas, no
corredor, as camisas estavam sempre compostas. Sabíamos disso e picávamo-lo o
mais possível. Sempre que a aula acabava íamos lá para fora fazer apostas. Por exemplo,
apostávamos em qual de nós estaria ele a pensar enquanto se masturbava nessa
noite. A maior parte das vezes seria eu a visada, porque era para mim que ele
mais olhava. Frequentemente, à noite, antes de adormecer, imaginava-o a pensar
em mim e a bater uma. Sentia-me enojada. Lembrei-me que assim que me levantasse
teria de ligar para o colégio e dizer que nesse dia não iria às aulas, fingindo
ser a minha mãe. O que não era difícil porque a nossa voz é muito parecida. Já tinha
feito isso antes. Primeiro, tinha começado a usar essa técnica como arma de sobrevivência,
devido às constantes ausências dela. Desde que casara com o Fernando, a quem
aos poucos comecei a chamar pai, um dos seus principais hobbies era viajar. Apesar de, por vezes, mostrar algumas casas a
clientes muito importantes, ela precisava de ter novas histórias para contar às
amigas. Precisava de mostrar as fotografias dos hotéis de cinco estrelas onde
tinha estado e falar sobre a comida dos melhores restaurantes aonde tinha ido.
Por tudo isso, as viagens tornaram-se frequentes.
Porém, ao contrário do que acontecia quando éramos pequenas, já não havia
muitos familiares dispostos a ficar connosco. A minha avó morreu quando eu
tinha sete anos, as tias e os tios já tinham problemas suficientes com os meus
primos, e as tias por afinidade, comecei eu na altura a perceber, eram como a
migração das aves: iam e vinham conforme as épocas do ano. Como
tal, ficávamos em casa com as empregadas que existiam na altura. Apesar de a
nossa mãe não ser uma figura muito presente, sentimos que, se isso passasse a
acontecer, perderíamos a liberdade a que nos estávamos a habituar. Assim, eu e
a minha irmã começámos a arranjar mecanismos para que ninguém percebesse que
ficávamos sós. Imitar a voz dela ao telefone para justificar as faltas foi um
deles.
Às vezes dava-me gozo perder uns minutos a pensar numa boa história para
justificar a minha falta. Dizer que estava doente tinha sido utilizada apenas
nos primeiros tempos, mas ultimamente gostava de coisas em grande. Do género: o
meu padrasto ia ser condecorado pelo Presidente da República e nós íamos com a
família ao Palácio de Belém. Foi quando estava a pensar em tudo isto que
bateram de novo à porta do meu quarto. Sabia que não era a Cesária. Ela apenas
nos avisava uma vez das nossas obrigações, para ficar de consciência tranquila.
Pelo tipo de toque, percebi que devia ser a Rita, a minha melhor amiga. A única
rapariga que me tinha dado um orgas… o superior ao proporcionado por qualquer
homem». In Francisco Salgueiro, O Fim da Inocência, Diário Secreto de Uma
Adolescente Portuguesa, Oficina do Livro, Lisboa, 2010, ISBN:
978 989 555 19 6.
Cortesia de Oficina do Livro/JDACT