segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Bonuns Rex ou Rex Inutilis. As Periferias e o Centro. Redes de Poder no reinado de Sancho II (1223-1248). José Varandas. «… com processos sistemáticos de crítica e utilização de fontes documentais, cabe às histórias gerais sobre Portugal, neste trabalho, a primeira palavra sobre os acontecimentos em torno do reinado de Sancho II»

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Sancho II de Portugal. Um conspecto historiográfico
«(…) Do que se escreveu sobre aquele reinado tudo deve ser percorrido com rigor e espírito crítico, procurando compreender essas obras à luz dos contextos em que foram criadas. A compreensão dos géneros, dos públicos-alvo, dos destinos sociais e culturais premeditados, da sua integração em ideologias predominantes ou minoritárias. A governação de Sancho II e todas as suas vicissitudes foram encaradas de diversas maneiras, sob várias abordagens, todas elas criadoras de uma imagem determinada do rei, que ocupa, hoje, no nosso imaginário colectivo, um lugar específico. Apesar do carácter fragmentário e esparso em que muitos desses textos se baseiam, da insuficiência qualitativa e quantitativa de muitas fontes, de orientações de pesquisa desfocadas ou insuficientes, da não existência de um registo documental daquele período tratada criticamente, o certo é que uma imagem se reteve na história dos portugueses e dos seus reis, e que no caso de Sancho II não é muito lisonjeira. A inutilidade governativa deste monarca e a sua aflitiva incapacidade para dirigir, a sua inexistência como líder, são como flashes constantes na historiografia portuguesa dos séculos XIX e XX. A tese do rex inutilis vingou e, se nalguns casos, poucos, mais recentes, o estudo da acção daquele monarca foi integrada em contextos mais abrangentes, associados a uma ideia de Crise, com carácter mais vasto e profundo e amarrada a um complexo cronológico mais dilatado aos dois reinados anteriores, a mensagem predominante ainda associa aquele rei a um período negro e infeliz da monarquia portuguesa, dominado pelo fantasma da incapacidade do Estado em se afirmar sobre o tecido vivo que o compõe.
Em 1209, na cidade de Coimbra, nasce o primeiro (são, também, filhos deste casamento os infantes Afonso, futuro conde de Bolonha e rei de Portugal, a infanta D. Leonor e o infante D. Fernando de Serpa; é neto, pelo lado materno do rei de Castela, Afonso VIII e de Leonor de Inglaterra) filho de D. Afonso II e de D. Urraca (infanta de Castela; filha do grande Afonso VIII, o herói cristão de Navas de Tolosa). Baptizado com o nome de seu avô, o infante Sancho será um dos monarcas mais infelizes da história portuguesa. Mal preparado para a governação de um país ainda em formação a sua subida ao trono ocorre, com pouco mais de treze anos, a 25 de Março de 1223, data do falecimento de seu pai e as circunstâncias não podiam ser piores. Naturalmente a estrutura curial do final do reinado de Afonso II parece ter-se mantido em funções, pelo menos durante algum tempo. Com base nos documentos que nos chegaram, da sua chancelaria, de instituições eclesiásticas, de casas nobiliárquicas, de concelhos municipais ou de simples particulares; das bulas pontifícias de Gregório IX, Celestino II e Inocêncio IV ou de fontes narrativas posteriores, ideologicamente marcadas e contaminadas, procurámos reconstituir alguns dos aspectos fundamentais desse reinado.
No seu conjunto o volume de informação disponível sobre o período de 1223 aos inícios de 1248 apresenta-se disperso por um conjunto de fontes documentais e narrativas, que foram apreciadas e utilizadas pela historiografia portuguesa, quer a do Antigo Regime, quer a mais próxima dos nossos tempos. De características bem distintas, com forte vínculo ao universo cronístico ou mais relacionadas com processos sistemáticos de crítica e utilização de fontes documentais, cabe às histórias gerais sobre Portugal, neste trabalho, a primeira palavra sobre os acontecimentos em torno do reinado de Sancho II. Um outro aspecto que gostaríamos de salientar na elaboração da primeira parte deste trabalho relaciona-se com a forma como apresentamos as várias posições historiográficas sobre o reinado de Sancho II. Numa primeira abordagem, pareceu-nos que essa caracterização pudesse ser feita por modelos historiográficos, onde as várias visões sobre Sancho II pudessem ser observadas com maior coerência. E, continua a parecer-nos uma opção válida. Contudo, optámos por desenvolver um conspecto historiográfico ordenado por critérios cronológicos, desenvolvendo para cada um dos autores que nos pareceram mais pertinentes, as posições tomadas em relação à matéria disponível sobre a forma como a estrutura central e os subsistemas periféricos se relacionavam entre 1223 e 1245. Pensamos que este método, além de não desvirtuar as linhas metodológicas de cada uma das Histórias observadas, nem de as retirar dos complexos historiográficos e dos estímulos externos onde e com que foram produzidas, nos permitia observar o seu carácter evolutivo, e nesse aspecto percebermos, também, a evolução historiográfica das representações sobre Sancho II». In José Varandas, Bonuns Rex ou Rex Inutilis, As Periferias e o Centro, Redes de Poder no reinado de Sancho II (1223-1248), U. de Lisboa, Faculdade de Letras, Departamento de História, Tese de Doutoramento em História Medieval, 2003.

Cortesia da FLUP/JDACT