sábado, 14 de dezembro de 2013

Nelson Mandela. Uma Lição de Vida. Jack Lang. «... procurar trabalho onde quiserem e não onde os serviços de emprego os mandam ir. Os africanos querem uma partilha justa da totalidade da Africa do Sul; querem segurança e participação na sociedade. Acima de tudo, queremos direitos políticos iguais, porque, sem eles, as nossas desvantagens serão permanentes»

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Estou disposto a morrer
Declaração de Nelson Mandela no banco dos réus, em sua defesa, na abertura do julgamento de Rivonia

Ao Tribunal Supremo de Pretória, 20 de Abril de 1964.
[…]

«(…) O governo responde muitas vezes às críticas que lhe são dirigidas com a afirmação de que os africanos da África do Sul vivem muito melhor do que os dos outros países de África. Não sei se isso é verdade, porque se não tivermos em conta o índice de custo de vida a comparação não faz qualquer sentido. Mesmo que tenha fundamento, tal afirmação é descabida. De facto, o que interessa não é saber se somos pobres em comparação com outros países, mas sim que somos pobres em relação à população branca no nosso próprio país, e que a legislação nos impede de repor o equilíbrio.
A falta de dignidade humana vivida pelos africanos era resultado directo da política de supremacia branca. Supremacia branca implica inferioridade negra. A legislação destinada a preservar a supremacia branca reforça este conceito. As tarefas inferiores na África do Sul são invariavelmente desempenhadas pelos africanos. Quando alguma coisa tem de ser carregada ou limpa, o homem branco olha à sua volta, à procura de um africano que o faça na sua vez, quer o africano seja seu empregado, quer não. Em consequência deste tipo de atitude, os brancos têm tendência para considerar os africanos como uma raça à parte. Esquecem que eles têm família:
  • são capazes de emoções, que se apaixonam como qualquer branco;
  • que tal como eles desejam estar com a mulher e os filhos;
  • que querem ganhar o suficiente para garantir a subsistência da família, alimentá-la, vesti-la, mandar os filhos à escola.
E qual é o pau para toda a obra ou o trabalhador braçal que pode ter esperanças de 1á chegar?
[…]

Os africanos querem auferir um salário decente, fazer um trabalho que são capazes de fazer e não um trabalho que o governo os acha capazes de fazer. Os africanos querem poder viver ou ter um terreno no sítio onde trabalham, sem serem excluídos desta ou daquela região a pretexto de que não nasceram nela, ou obrigados a arrendar casas que nunca podem considerar suas. Os africanos querem ser integrados no conjunto da população, e não ser remetidos para guetos. Os homens não querem ser separados das suas mulheres e dos seus filhos, nem ser forçados a levar uma existência que não tem sentido, longe dos seus. As mulheres querem estar ao lado dos seus maridos, e não continuar a viver como viúvas nas Reservas. Os africanos querem ter o direito de sair depois das onze horas da noite, e não ser confinados aos seus quartos como crianças pequenas. Os africanos querem ter o direito de viajar pelo seu próprio país e procurar trabalho onde quiserem e não onde os serviços de emprego os mandam ir. Os africanos querem uma partilha justa da totalidade da Africa do Sul; querem segurança e participação na sociedade.
Acima de tudo, queremos direitos políticos iguais, porque, sem eles, as nossas desvantagens serão permanentes. Sei que tal soa revolucionário aos ouvidos dos brancos deste país, porque a maioria dos eleitores será africana. Isto faz com que o homem branco receie a democracia. Mas tal receio não deve ser impeditivo de que seja garantida a harmonia racial e a liberdade para todos. Como não deve fazer pensar que o direito de voto universal trará consigo uma qualquer supremacia racial. A discordância política, assente na questão da cor, é totalmente artificial, e quando ela desaparecer deixará de haver supremacia de uma raça sobre a outra. O ANC passou meio século a combater o racismo. A sua vitória não o levará a alterar esta política [...]»In Jack Lang, Leçon de vie pour l’avenir, Perrin 2004, Nelson Mandela, Uma Lição de Vida, Editorial Bizâncio, Lisboa, 2005, ISBN 978-972-53-0275-0.

Público e jdact
Cortesia de Bizâncio/JDACT