«(…) D'este brilhante
opúsculo vou reproduzir o seguinte trecho, que é sem duvida um dos mais eloquentes
que se têm escripto em todas as línguas:
- O procedimento dos poderes públicos durante dez annos e as suas tristes hesitações na actual conjunctura legitimam, santificam a nossa resolução; porque se trata do envenenamento moral da sociedade pelo envenenamento moral da família. Uma lei d'esta terra, uma lei de sete séculos, uma lei cuja duração representa um profundo sentimento de honra, diz que se pude ser homicida sem crime quando a prostituição do adultério vai ennodoar o seio da família. É que a família é a molécula social, e gangrenada ella, a sociedade esfacela-se num monte de podridão. Vamos muito menos longe que a lei. E todavia o perigo é maior; porque nos seminários da reacção não se hostiliza só a liberdade: ensina-se também a revelar á donzella e á mãe de família delicias mais monstruosos que o adultério. Defendemos nossas mulheres, nossas irmãs, nossas filhas: defendemos as mulheres, as irmãs e as filhas dos que hão de vir depois de nós. Onde estará aqui o crime, a violência, o erro, o motivo sequer de suspeição? Não dissimulamos, não tergiversamos; a nossa linguagem é simples e explicita como as nossas intenções.
Herculano foi inimigo acérrimo da hypocrisia e do fanatismo; o seu
culto era incomparavelmente mais interno do que externo; pela contemplação da
natureza é que elle principalmente se elevava á idéa de Deus. Diz Theophilo
Braga que Herculano mandou coustruir
uma capella em Valle de Lobos. Isso não admira porque, sendo Herculano toda a
vida um grande poeta, como o revelam as suas obras tanto em verso como em
prosa, devia comprazer-se em ter deante dos olhos objectos que lhe recordassem
os bellos e saudosos tempos da sua infância. Na casa onde Herculano nasceu e passou os seus primeiros annos havia uma ermida onde
um frade arrabido costumava dizer missa os dias-santos. No Monge de Cister pinta-nos
elle com as mais vivas cores a profunda saudade que lhe causava a lembrança dos
dias-santos da sua infância, do altar onde no sabbado á noite se punham jarras
de flores, do frade que lhe contava lindas historias ao almoço. Os verdadeiros
poetas, os grandes sentimentalistas amam sempre o passado. Os homens
demasiadamente positivos não podem comprehender o sentimentalismo vehemente das
grandes almas. Se a cruz era para
Herculano o symbolo da liberdade, da fraternidade e do progresso, não
é de admirar que elle a amasse entusiasticamente, como o revelou na sua
eloquente e philosophica poesia A cruz mutilada, escripta na sua
mocidade. O ter mandado Herculano
construir uma capella em Valle de Lobos não é pois uma prova de que o seu espirito
retrocedesse com a edade. Alem d'isso o grande escriptor não deixou de ser
christão em epocha alguma da sua vida. Rousseau, a quem os padres chamam
ímpio, nunca zombava da religião como Voltaire. É porque o auctor do Emilio
era um sentimentalista ardente como Herculano.
Littré, apesar de positivista, não queria perturbar sua mulher quando
ella estava deante do oratório fazendo oração. Foi a instancias de sua esposa
que Herculano mandou construir a capella de que já fiz menção.
Ainda que elle não fosse catholico, haveria porventura neste procedimento
alguma cousa digna de censura?
O
verdadeiro philosopho, o amigo da tolerância e da liberdade conserva sempre no
seu coração o mais profundo respeito pelas crenças alheias. A liberdade
de consciência é um dos princípios mais sacrosantos, um dos direitos mais
sagrados, não só na sociedade mas ate no lar domestico, no sanctuario da
família. O chefe de família não é um déspota nem a mulher uma escrava. A
religiosidade é uma tendência natural da mulher, a crença é uma das condições
da sua vida moral; se quizerem extinguir-lhe no coração o sentimento religioso,
lançar-se-ha no caminho do jesuitismo, o que certamente será um grande mal para
a família e para a sociedade. A religião é um instrumento poderoso nas mãos do
jesuíta; quem conseguir arrancar-lhe esta arma prestará incontestavelmente um
grande serviço ás gerações futuras. É por meio da propaganda verdadeiramente religiosa
que se dão os golpes mais profundos na Companhia de Jesus. A religião nasce do coração e a philosophia da intelligencia.
Se a mulher é mais dominada pelo sentimento do que pela idéa, como poderá ella
comprehender systemas philosophicos que estejam em antagonismo com o seu estado
psychologico, com as grandiosas aspirações do
seu nobre coração? Embora todas as opiniões sinceras sejam para mim
respeitáveis, eu entendo que, em vez de se aggredir o christianismo, se devem
combater energicamente os erros dos seus falsificadores, que são os jesuítas e
todos os padres cujas doutrinas sejam idênticas ás dos filhos de Loyola». que é
sem duvida um dos mais eloquentes que se têm escripto em todas as línguas». In
Diogo Rosa Machado, Alexandre Herculano, Conferência Pública realizada no
Atheneu Commercial de Lisboa, na noite de 15 de Julho de 1900, Livraria Editora
Tavares Cardoso & Irmão, Lpor H539. Yma, 556544, 14.1.53.
Cortesia de L. Tavares Cardoso & Irmão/JDACT