Educação
«(…) Os cronistas são escassos em informações sobre a educaçáo de João. Contudo podemos imaginar que, órfão
de mãe com poucos meses, logo foi entregue aos cuidados de familiares e amigos.
Neste número se conta a sua tia, D. Filipa de Lencastre que certamente exerceu
uma influência decisiva sobre o seu carácter. Numa corte dividida, onde
recentemente Pedro fora reabilitado, o espírito do menino foi com certeza
semeado de sonhos de vingança e desejo de recuperação de uma linha de governo,
a de seu avô, que certas forças senhoriais tinham impedido de vingar. Pela
informação de frei Francisco Brandão ao falar desta Senhora, duas ideias ficam
muito claras: a sua latente agressividade contra Castela, e a influëncia que
terá exercido no espírito do menino príncipe. Nascida por volta de 1437, passou, pouco depois, a residir
na Corte onde seu pai, o infante Pedro, regeu os destinos do reino em
substituição de seu sobrinho a partir de 1439.
Segundo o autor citado teve esta
Senhora a criação em companhia delRey e dos Infantes seus primos ate o anno de 449.
Depois disto e afastado seu pai da corte, também D. Filipa a abandonou, mas por
pouco tempo já que, depois de Alfarrobeira, a rainha D. Isabel, condoida do desempáro da irmãzinha, e por ter
junto asy pessoa de que fiasse suas magoas, a reteve consigo, e criou ate o anno
de 455, em que Deos a levou para si na cidade de Evora; D. Filipa teria
então 18 anos. Assistiu na corte ao baptizado do príncipe com tudo não a admittirão para madrinha, preferindothe a Marqueza de
Villa Real; para esclarecimento, o autor do texto acrescentou não erão bem vistas neste tempo as cousas
do Infante Dom Pedro. D. Filipa tinha com certeza muita consciência
disso e, no vigor dos seus dezoito anos, não pode ter visto com bons olhos o
partido adverso a seu pai testemunhar o baptismo do Príncipe. Será que logo ali jurou vingar-se? Não
o sabemos.
Regressou à casa materna depois da morte da Rainha, mas não se sabe ao
certo onde se fixou após a morte da mãe em 1459.
É provável que tivesse então passado a viver com sua sobrinha D. Joana e,
consequentemente, com o Príncipe, que nesta data contava quatro anos, idade propícia
a histórias, a sonhos... A ser assim, D. Filipa encontrou o momento favorável
para incutir, neste espírito em crescimento, a veneração pela mãe que não
conhecera e o entusiasmo pelo ideal político do avô; Filipa teria então ocasião
de contar ao menino príncipe a triste história do pai de sua mãe, que morrera
porque alguns senhores que agora estavam ali na corte, não gostavam da sua
maneira de governar. Filipa contaria ainda ao sobrinho quanto sua mãe sofrera
com tudo isso e como os desgostos lhe teriam causado a morte. Então o menino
iria percebendo que enquanto sua mãe e seu avô morreram, aqueles Senhores
viviam felizes na corte aproveitando-se da bondade de seu pai, o rei, que por
eles se deixava influenciar e a todos enchia de privilégios; e começava já a
sentir que essas doações exageradas defraudavam-o seu património... Mas foi
sobretudo a certeza de que sua mãe fora vítima deste grupo que, em nosso
entender, exerceu uma influência determinante no espírito do Príncipe. Nunca na
actuação de João se constata a menor
sombra de revolta contra sua tia; essa é a melhor prova da influência positiva
que sobre si exerceu. Era a ela que comunicava
sempre os assuntos mais importantes do Reino e sempre se preocupou com
o seu bem estar material. Curiosamente ofereceu-lhe hüa parte da renda da Villa de Alcolea no Principado da Catalunha.
Era Alcolea das arras da Raynha Dona Leanor may delRey Dom Afonso V.
Interrogamo-nos se a escolha desta renda foi casual ou se João a atribuiu por solidariedade com a neta do vencido duque de Urgel,
testemunhando compreensão e vingando assim essa tia querida, lembrança de sua
Mãe, que Deos levou para sy no ano de 1493, a onze de Fevereiro, tendo
visto no Julho do ano attaz a desastrada morte do Principe Dom Afonso seu
sobrinho, o sentimento da qual lhe incortou a vida... E evidente que
nada de concreto podemos afirmar, mas fica-nos a convicção de que frei
Francisco Brandão estabeleceu um paralelo intencional em todos estes factos.
Dos mestres pedagógicos de João
também muito pouco se sabe. Luis Matos, afirma terem sido dois: frei João
Rodrigues e o padre bacharel Vasco Tenreiro. Temos dificuldade em aceitar que
Afonso V não tivesse chamado mestres estrangeiros, italianos concretamente,
para a educação de seu filho. A explicação desta opção parece só poder
encontrar-se na qualidade destes portugueses, cujo saber e formação seria
idêntica à dos mestres italianos da época. A
não ser assim, como explicar que Afonso V tenha privado o filho de melhores mestres?
Levantamos uma hipótese: o rei, influenciado pelos da sua corte, receou que os
estrangeiros pudessem juntar à corrente humanista as novas doutrinas políticas
já em divulgação na época. Certamente de difícil resposta, a questão parece,
contudo, pertinente. Tentemos, em primeiro lugar, descortinar quem foram estes
mestres. Segundo o autor referido, o primeiro era frade loio e, tal como
o segundo, foi mestre não só de João
como também da infanta Dona Joana, sua irmã. Quanto à sua formação intelectual,
nada se sabe de frei João Rodrigues. De Vasco Tenreiro pensa-se que teria frequentado
a Universidadl de Lisboa, onde obteve o grau de bacharel; escassa informação,
portanto. A ausência dos seus nomes entre os eruditos da época é também fraca
recomendação para os colocarmos como mestres humanistas do futuro Príncipe
Perfeito. Como explicar esta
despreocupação de Afonso V?» In Manuela Mendonça, D. João II, Um Percurso
Humano e Político nas Origens da Modernidade em Portugal, Imprensa
Universitária 87, Editorial Estampa, Lisboa, 1991, ISBN 972-33-0789-8.
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