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de wikipedia
O
seu enterro
«(…)
Convenhamos porém, que apesar do meu dito, eu não fujo a reconhecer em V. M.
algumas preciosíssimas qualidades de reinante. E comigo o povo, real senhor. Lá
quanto a isso, em verdade, muito obrigados lh’estamos. Por bem da pátria, já V.
M. traduziu tão mal Shakespeare, que esfriou em nós o fetichismo pelas
obras-primas estrangeiras, subtil maneira esta de V. M. reconduzir o gosto à
exclusiva adoração das nacionais! E este
belo exemplo, se não vale o das peúgas de seu tio Pedro, reveste pelo
menos uma flamância de amor pátrio, digna de intervir os desdéns antilusitanos
do vencido da vida Ramalho Ortigão. Mas, meu senhor, se o culto infeliz das
belas-letras inabilitasse os monarcas para as ameixas dos sicários, estaria o
imperador do Brasil mais que nenhum outro livre e isento de tais frutos, em
razão das esquírolas poéticas que intermitentemente exgrega pr’ás gazetas: e
viu V. M. como Adriano lhe afinfou com um, sem grandemente acatar a sonetaria
imperial!
Se
Quincey rimou as excelências do assassinato como obra de arte, V. M., assíduo
intérprete da poesia trágica de Além-Mancha, podia bem trazer a vernáculo este
poema, preambulando-o de uma fala em que enaltecesse o regicídio como obra de
política. Era trabalho onde o meu rei despejaria a contento geral as asneiras
que lhe tivessem sobrado dos seus outros trabalhos literários, e que podia
sugerir talvez a Gualdino Gomes, por via do rancor plumitivo, o tirázio que V.
M. jamais pechinchará do Consiglieri Pedroso, mercê do jacobino. Oh meu senhor,
habilite-se! Uma reles bomba que seja. Para o efeito moral até um busca-pé
seria bastante. Não faça caso das precauções da medicina, venha à cidade
repontar c’o Zé Povinho, chamar-nos tipos, dar canelões nas nossas mulheres,
fazer enfim pelo tirázio enquanto é tempo. Nestas coisas de martírio, só a
primeira abordagem custa um pouco. Que
transtorno faria a V. M. um balázio, sabendo a ovação que abichava depois de
morto?
Ah,
que vida monótona tem sido a de V. M…. jantarinhos de canja magra no quarto,
violoncelo quando vão artistas de S. Carlos, e como hors-d’oeuvre, a pouca vergonhazinha extra matrimonial às
quintas-feiras!... V. M. carece de sair quanto antes dessa apatia. Um brasileiro,
senhor, não usufrui maior ripanço do que o meu rei sentado nesse trono, e com a
marrafa a dividir-lhe o crânio em duas metades paralelamente encarquilhadas. E quando
os republicanos cuspirem à face de V. M. os 360 contos da sua doação, como
há-de V. M. justificar essa maqui auferida dos erários, não tendo feito no
decurso de um ano, outra coisa que não seja abrir e fechar cortes, levar salvas
a bordo, e tapar e destapar ladrões e tolos, consoante a matula dos gabinetes que governam? Com o tirázio
era outro asseio. Pela tentativa de regicídio, disse Guizot, a inofensividade
dos reis cola-se à veneração dos povos, como um rebotalho de trampa à barriga
de um macaco: e os povos tanto esgatanham nessa veneração, que acabam por
abrir-se o ventre, sem que a mistela de lá saia e deixe de feder. Se, por
consequência, V. M. está resolvido a aceitar o alvitre da sua próxima
eliminação, por via Lefaucheux, e não achar sicário idóneo que lhe expeça um
balázio aos quartos posteriores, daqui me ofereço eu com toda a lealdade, certo
de que V. M. não haverá que dizer do trabalhinho». In Fialho de Almeida, Carta a D.
Luís sobre as Vantagens de ser Assassinado, Assírio Alvim, Lisboa, 2010, ISBN
978-972-37-1441-8.
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de Assírio Alvim/JDACT