«Fernão Lopes (1380?– 1460?) terá nascido em Lisboa, de uma
família do povo. É considerado o maior historiógrafo de língua portuguesa,
aliando a investigação à preocupação pela busca da verdade. Foi escrivão de
livros do rei D. João I e escrivão da puridade do infante
Fernando. O rei Duarte I concedeu-lhe uma tença anual para ele se dedicar à
investigação da história do reino, devendo redigir uma Crónica Geral do Reino de Portugal. Correu a província a
buscar informações, informações estas que depois lhe serviram para escrever as
várias crónicas, Crónica de D. Pedro I, Crónica de D. Fernando, Crónica de D. João I, Crónica de
Cinco Reis de Portugal e Crónicas
dos Sete Primeiros Reis de Portugal. Foi guardador das escrituras da Torre do Tombo».
Como foi trelladada Dona
Ines pera o moesteiro Dalcobaça, e da morte delRei Dom Pedro
«Por que semelhante amor, qual
elRei Dom Pedro ouve a Dona Enes, raramente he achado em alguuma pessoa, porem
disserom os antiigos quc nenhuum he tam verdadeiramente achado, como aquel cuja
morte nom tira da memoria o gramde espaço do tempo. E se alguum disser que
muitos forom ja que tanto e mais que el amarom, assi como Adriana e Dido, e
outras que nom nomeamos, segumdo se lee em suas epistolas, respomdesse que nom
fallamos em amores compostos, os quaaes alguuns autores abastados de
eloquemcia, e floreçentes em bem ditar, hordenarom segumdo lhes prougue,
dizemdo em nome de taaes pessoas, razoões que numca nenhuuma dellas cuidou; mas
fallamos daquelles amores que se contam e leem nas estorias, que seu fumdamento
teem sobre verdade. Este verdadeiro amor ouve elRei Dom Pedro a Dona Enes como
se della namorou, seemdo casado e aimda Iffamte, de guisa que pero dela no
começo perdesse vista e falla, seemdo alomgado, como ouvistes, que he o
prinçipal aazo de se perder o amor, numca çessava de lhe emviar recados, como
em seu logar teemdes ouvido. Quanto depois trabalhou polla aver, e o que fez
por sua morte, e quaaes justiças naquelles que em ella forom culpados, himdo contra
seu juramento, bem he testimunho do que nos dizemos. E seemdo nembrado de
homrrar seus ossos, pois lhe ja mais fazer nom podia, mandou fazer huum
muimento dalva pedra, todo mui sotillmente obrado, poemdo emlevada sobre a
campãa de çima a imagem della com coroa na cabeça, como se fora Rainha; e este
muimento mandou poer no moesteiro Dalcobaça, nom aa emtrada hu jazem os Reis,
mas demtro na egreja ha maão dereita, açerca da capella moor. E fez trazer o
seu corpo do mosteiro de Samta Clara de Coimbra, hu jazia, ho mais
homrradamente que se fazer pode, ca ella viinha em huumas andas, muito bem
corregidas pera tal tempo, as quaaes tragiam gramdes cavalleiros, acompanhadas
de gramdes fidalgos, e muita outra gente, e donas, e domzellas, e muita
creelezia. Pelo caminho estavom muitos homeens com çirios nas maãos, de tal
guisa hordenados, que sempre o seu corpo foi per todo o caminho per antre
çirios açesos; e assi chegarom ataa o dito moesteiro, que eram dalli dezassete
legoas, omde com muitas missas e gram solenidade foi posto em aquel muimento: e
foi esta a mais homrrada trelladaçom, que ataa aquel tempo em Portugal fora
vista. Semelhavelmente mandou elRei fazer outro tal muimento e tam bem obrado
pera si, e fezeo poer açerca do seu della, pera quamdo se aqueeçesse de morrer
o deitarem em elle. E
estamdo el em Estremoz, adoeçeo de sua postumeira door, e jazemdo doemte,
nembrousse como depois da morte Dalvoro Gomçallvez e Pero Coelho, el fora
çerto, que Diego Lopes Pachequo nom fora em culpa da morte de Dona Enes, e
perdohou-lhe todo queixume que del avia, e mandou que lhe emtregassem todos
seus beens; e assi o fez depois elRei Dom Fernamdo seu filho, que lhos mandou
emtregar todos, e lhe alçou a semtemça que elRei seu padre comtra elle passara,
quamto com dereito pode. E mandou elRei em seu testamento, que Ihe tevessem em
cada huum ano pera sempre no dito mosteiro seis capellaaens, que cantassem por
el e lhe dissessem cada dia huuma missa oficiada, e sahirem sobrel com cruz e
augua beemta: e elRei Dom Fernamdo seu filho, por se esto melhor comprir e se
cantarem as ditas missas, deu depois ao dito moesteiro em doaçom por sempre o
logar que chamam as Paredes, termo de Leirea, com todallas rendas e senhorio
que em el avia. E leixou elRei Dom Pedro em seu testamento çertos legados, a
saber, aa Iffamte Dona Beatriz sua filha pera casamento cem mil livras; e ao
Iffamte Dom Joham seu filho viimte mil livras; e ao Iffamte Dom Denis outras
viinte mil; e assi a outras pessoas. E morreo elRei Dom Pedro huuma segumda
feira de madurgada, dezoito dias de janeiro da era de mil e quatro cemtos e
cimquo anos, avemdo dez annos e sete meses e viimte dias que reinara, e
quaremta e sete anos e nove meses e oito dias de sua hidade, e mandousse levar
aaquel moesteiro que dissemos, e lamçar em seu muimento, que esta jumto com o
de Dona Enes. E por quamto o Iffamte Dom Fernamdo seu primogenito filho nom era
estomçe hi, foi elRei deteudo e nom levado logo, ataa que o Iffamte veo, e aa
quarta feira foi posto no muimento. E diziam as gentes, que taaes dez annos
numca ouve em Portugal, como estes que reinara elRei Dom Pedro». In
Fernão Lopes, Projecto Vercial, Universidade do Minho.
(…)
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