«(…) A cana do açúcar,
introduzida em 1501 a partir da ilha
da Madeira, foi o primeiro produto agrícola de rendimento. Devido à
fertilidade do solo e do clima favorável, esta produção rapidamente prosperou
registando-se, poucos anos depois, a presença de 60 engenhos de açúcar em toda
a ilha. O fabrico de açúcar, o
comércio de escravos, a produção da pimenta e a exportação de madeiras eram, no
século XVI, a principal fonte de rendimentos de São Tomé. Este regime
de capitanias iria permanecer em vigor até 1522,
altura em que se aplica novo tipo de administração, agora dependente
directamente da Coroa. A ilha de Santo Antão, que posteriormente passou
a ser denominada de Príncipe, foi concedida a António Carneiro
que manteve essa doação até 1573, altura
em que passa a ser administrada como propriedade da Coroa e é anexada a São
Tomé. É nessa altura que a capital da província passa a ser Santo António,
ilha do Príncipe, que apesar de ter sido afectada pela decadência vivida em São
Tomé, oferecia uma atmosfera mais calma para o governo.
Para começo de
caracterização do tipo de sociedade que se iria formar, deve-se dizer que o
povoamento das ilhas foi feito com africanos vindos da costa africana, filhos judeus arrancados aos pais,
artífices e degredados e a cada um destes foi mandado dar uma escrava para a
ter e dela se servir, havendo o principal a povoar-se a dita ilha. Como
se vê, estava posta em marcha uma situação favorável à miscigenação racial e
cultural que caracteriza até hoje a população dos são-tomenses. Aos primeiros
habitantes do arquipélago foram concedidos vários privilégios como forma de
incentivos, devido ao isolamento do território. Esses privilégios tinham que
ver com a possibilidade de resgatar escravos na costa africana, facilidades de
comércio com o continente, isenção de pagamento de dízimos, a possibilidade dos
mulatos exercerem quaisquer ofícios como os brancos. Com medo de perderem o seu
lugar de exclusividade na administração, tendo em conta que o número de mulatos
tendia aumentar, os colonos brancos tentam escravizar os mulatos que, já
compenetrados do seu papel e lugar na comunidade, acabam por protestar junto do
rei Manuel I. Numa carta régia de 29 de Janeiro de 1515, tendo em conta os protestos dos mulatos, o rei decide que a descendência das escravas dadas aos colonos,
bem como as mães eram livres e não podiam ser demandadas, elas, seus filhos e
filhas, como cativos de El-rei, nem de pessoa alguma.
«Um dia a espuma dos mares,
ao ver em si meu amor,
foi dizer baixinho à praia:
- A Vénus mudou de cor!»
Poema de Caetano Costa Alegre
ao ver em si meu amor,
foi dizer baixinho à praia:
- A Vénus mudou de cor!»
Poema de Caetano Costa Alegre
Numa outra carta régia
datada de 1517, o rei estendia aos
escravos dos primeiros povoadores os benefícios que tinha concedido às escravas
e aos seus descendentes, bem como aos escravos (e os filhos que tivessem tido)
dados pela Fazenda Real aos primeiros povoadores. É deste modo que veremos
nascer a classe da elite burguesa dos naturais do arquipélago, os ditos filhos da terra, e com ela o
advento de querelas entre as diferentes facções que compunham a sociedade. A
propósito dessas pendências Raimundo Cunha Matos diz: A intriga naquelas idades já vomitava a infernal peçonha que infeccionou
os novos colonos e seus sucessores, tanto assim que repetiam queixas sobre
queixas aos pés do real trono, acusando-se reciprocamente dos mais atrozes
crimes. Eles não só se constituíam soberbos e intratáveis […] conservavam o seu
harém.
As lutas de interesse
envolviam o clero, os governadores, as autoridades e os grandes proprietários.
Todos queriam governar, mas nenhum queria se submeter à condição de governado. Os
filhos da terra viviam e comportavam-se como se fossem europeus, ou seja, assimilaram
os hábitos dos europeus, desde os modos de se vestirem, a culinária, a habitação,
etc., mas de maneira ajustada à realidade local, sublinhemos esse aspecto de afirmação
diferenciadora (usavam vestuários ligeiros de algodão, porquanto o clima é tropical;
as casas apesar de seguir o modelo português era feita de madeira). E uma
tal prática estendia-se quer aos membros da elite
crioula, quer aos grupos populares. No plano da linguagem, podemos
salientar o surgimento dos crioulos, uma forma de veicular a comunicação entre
os diferentes grupos que compunham a esfera mestiça, sucedendo que viria a
pertencer ao forro tornar-se o crioulo veicular». In Instituto Camões, Repositório
da Universidade de Lisboa, 2009.
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