A Beira no horizonte
«Nascido muito provavelmente na segunda metade da década de 1360, fruto do casamento entre o
cavaleiro Vasco Fernandes Coutinho, que as fontes identificam como vassalo
régio e figura próxima da Corte de Fernando I, e Beatriz Gonçalves Moura, Gonçalo
Vasques Coutinho é, pese embora a circunstância de ter sido um dos mais
prestigiados comandantes militares do seu tempo, uma personagem cujos primeiros
anos de vida permanecem totalmente desconhecidos em virtude do silêncio das
fontes. Ainda assim, é legítimo pensar que, apesar das ligações paternas à região
da Beira, o seu nascimento pode ter ocorrido no Alentejo, provavelmente na zona
de Serpa e de Moura, de onde era oriunda a família de Beatriz Gonçalves e onde
o pai, Vasco Fernandes, foi constituindo um importante núcleo patrimonial, em
parte doado pelo rei. Uma outra possibilidade é a de ter nascido já na cidade
de Évora, cuja alcaidaria fora entregue por Fernando I a Vasco Fernandes Coutinho. Terá
sido, pois, nesta região que passou os seus primeiros anos de vida e onde certamente
terá começado a receber a educação marcial que faria dele um guerreiro de
renome, seguindo aliás as pisadas do pai que se destacara, em 1369, na conquista de Monterrey.
Mas o regresso de Vasco Fernandes à Beira, onde recebera em 1374 o castelo e a terra de Penedono,
era inevitável. Assim, em 1377, é
nomeado meirinho-mor nessa comarca, estabelecendo residência em Lamego e reforçando,
assim, como sublinha Luís Filipe Oliveira, a sua influência e peso regional. E
numa altura em que desempenha um papel cada vez mais importante, também o seu
filho Gonçalo Vasques que o terá acompanhado nesse regresso, começa a
adquirir uma visibilidade crescente. De facto, em 1379 e por intercessão de Leonor Teles, que por esses anos
patrocinou a realização de muitos outros casamentos nobres, casa com Leonor
Gonçalves Azevedo, filha do prestigiado Gonçalo Vasques Azevedo, recebendo
então de Fernando I, em regime de morgadio, os reguengos de Rio Maior. Contudo,
tal como o pai, também os seus interesses começam a orientar-se cada vez mais
para a região beirã onde, naturalmente e enquanto primogénito, viria a herdar
boa parte do património de Vasco Fernandes. Sinais dos laços que então começa a
criar, ou melhor, a consolidar nessa mesma região são, por um lado, o facto de
em 1381 receber do rei Fernando I, a
terra de Armamar e, por outro, a troca do património ribatejano que havia recebido
em 1379, por outros bens fundiários
localizados nas regiões de Lamego e de Viseu, como que preparando o seu
regresso em força à zona de onde a sua família paterna era oriunda para assumir
o lugar de seu pai na chefia da linhagem.
Sinal dessa autêntica passagem
de testemunho é a circunstância de ter sido já Gonçalo Vasques, que
entretanto recebera a alcaidaria de Trancoso, a mobilizar e liderar as mesnadas
de seu pai no Verão de 1382, quando o
monarca Fernando convocou a hoste régia para a zona do Alto Alentejo, a partir
de onde pretendia avançar contra território inimigo e defrontar o exército
castelhano em batalha campal. Apesar de Vasco Fernandes se encontrar ainda
vivo, mas muito provavelmente já bastante doente ou debilitado pela idade, porquanto
virá a morrer nos finais de 1383,
foi o seu filho, que na altura não passaria de um escudeiro, a apresentar-se ao
rei em Évora, ao comando de perto de 150-200 lanças de cavalaria. Mas o que Gonçalo
Vasques não podia imaginar era que a chegada àquela cidade o poria de
imediato em contacto com as tramas que assolavam a corte régia, designadamente
com a conspiração urdida por Leonor Teles com o objectivo de fazer desaparecer
dois dos seus principais opositores: o Mestre de Avis, D. João, e Gonçalo
Vasques Azevedo, recentemente elevado à condição de marechal do reino.
Com efeito, assim que o rei foi informado, segundo Fernão Lopes, através
de cartas forjadas por iniciativa da rainha, dos planos do Mestre e do marechal
que, alegadamente, planeavam traí-lo e bandear-se para Castela, ordenou a
prisão imediata de ambos. Surpreendido pela notícia, Gonçalo Vasques ainda
terá chegado a sugerir ao seu sogro que fugisse. Contudo, com receio que o
genro viesse a ser alvo de represálias e convicto da sua inocência, este recusa
a proposta e deixa apenas que o acompanhe até ao alcácer de Évora onde deveria,
tal como o Mestre João, ser executado.
Acabarão, no entanto, por passar apenas um ou dois dias na prisão, sendo
libertados por intercessão de diversos nobres, nomeadamente de João Afonso
Telo e do conde Edmundo de Cambridge. Ainda que as fontes nada
adiantem, é muito natural que, de Évora, Gonçalo Vasques se tenha então
reunido à hoste régia portuguesa que, nas imediações de Badajoz, se preparava
para defrontar o exército de Juan I de Castela nas margens do Caia. É possível
que tenha, então, sido armado cavaleiro, já que o rei, como nos afirma Fernão
Lopes e conforme era prática corrente antes das batalhas, concedeu essa
dignidade a 24 escudeiros fidalgos, entre portugueses e ingleses. Contudo, após
uma espera de duas semanas e em resultado da assinatura de um acordo de pazes
entre os dois reinos, que viria, poucos meses depois, a dar origem ao Tratado de Salvaterra, a batalha campal
para a qual Gonçalo Vasques se preparara acabou por não ter lugar, pelo que
é muito possível que tenha regressado à Beira logo que Fernando I, já bastante
doente, desmobilizou as suas forças». In Miguel Gomes Martins, Guerreiros
Medievais Portugueses, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2013, ISBN
978-989-626-486-4.
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