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de wikipedia
Resumo
«Este artigo procura analisar o percurso de mobilização das
prostitutas no Rio de Janeiro até o reconhecimento de uma identidade
profissional. A formação das associações de prostitutas no Brasil, a partir dos
anos 1980, a participação efetiva no movimento de prevenção da AIDS e a
interlocução com o Ministério da Saúde na conquista do almejado registro da
prostituição na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), do Ministério de
Trabalho, contribuíram para a definição de suas causas e serão aqui restituídos
de seus contextos político, social e urbano, de modo a evidenciar o
desenvolvimento de um código deontológico de um grupo profissional».
... la morale de demain será ce que seront les convictions de
demain relativement à l’importance, à la nature et à la signification des
rapports sexuels. In Gabriel Tarde, La morale
sexuelle, 1902.
«A prostituição é uma actividade estigmatizada, proibida em
alguns países e em outros tolerada ou regulamentada. Apesar dos problemas que a
cercam, é também conhecida como a
profissão mais antiga do mundo. Considerá-la deste modo supõe, entre
outras coisas, certa virtude no seu exercício e um status positivo
para essa ocupação. Pois o conceito de profissão, visto da perspectiva
interacionista privilegiada por Everett Hughes (1996), é antes um
julgamento de valor e prestígio do que um termo descritivo. Também para Howard
Becker, profissão é ainda um folk concept que nada diz sobre as
especificidades do trabalho levado a termo por certos profissionais, mas sim
sobre seu status. Perguntar-se,
então, se um métier é uma profissão
obscurece questões mais fundamentais como, por exemplo, em que circunstâncias os membros de um métier tentam transformar o seu ofício em uma profissão?
No momento em que a profissionalização se torna um objecto de discussão entre
os membros do métier, pode-se observar que esta tendência corresponde à
mobilidade colectiva de alguns (ou muitos) deles. Identificar aqueles
que não acompanham essa mobilidade passa a ser um dos objectivos do processo de
profissionalização. O termo profissão pode, por isso, ser interpretado como um símbolo da concepção do trabalho que é reivindicado
e, por conseguinte, um símbolo do eu. Por essa razão, considerar o contexto em que essa mobilidade se
produz e se transforma em objecto de discussão torna-se imprescindível. E isto
na medida em que uma causa é sustentada não só pelos actores directamente
interessados, mas, sobretudo, por aqueles outros, persuadidos de sua
pertinência e capazes de conduzi-la e de legitimá-la em outras arenas.
Reivindicar a prostituição como uma profissão obriga a
distinção de condutas, posturas, procedimentos, direitos, deveres e certa
ética. Mas não só: para a aquisição de certas competências e a assunpção de
responsabilidades, torna-se necessário recusar o papel de vítima, frequentemente
atribuído às prostitutas independente do contexto em que exercem a actividade. Paralelamente
às reivindicações de reconhecimento, empreendidas por prostitutas em diversos
países do mundo, as histórias tristes (sad stories) continuam
integrando os repertórios de argumentação de muitas dessas mulheres, de modo a
justificar, paradigmaticamente, a entrada, noção demarcadora, no métier. Para o desempenho de uma
actividade estigmatizada, como a prostituição, o indivíduo munido de uma
história triste pode melhor organizar a sua vida, diz Goffman (1975).
Mas, em contrapartida, deverá resignar-se a viver em um mundo incompleto onde
figura como alguém prestes a ser desacreditado em função dos atributos do
estereótipo que encarna. Ao fazer uso da história triste, que relata o momento
fundador da possessão do seu estigma, a prostituta se desembaraça, justamente,
da responsabilidade de ter efectuado uma escolha. Por
serem eminentemente tristes, essas narrativas justificadoras distanciam o
sujeito das virtualidades, confiança, respeito e estima, que lhe
asseguram o auto-reconhecimento positivo do qual necessita para se sentir uma pessoa normal. E, entre outras
coisas, uma profissional.
Mudar
o registro da justificação de uma fatalidade
para algo que possa ser percebido como uma opção é, portanto, abrir uma perspectiva sobre as responsabilidades
assumidas com essa escolha. Um horizonte profissionalizante pode, então, se
esboçar. E, entre as responsabilidades exigidas para a oferta de tal serviço, o
cuidado do próprio corpo surge como uma das condições primeiras para o
desempenho da função de prostituta. Mesmo que a tendência profissionalizante se
torne pronunciada, nem sempre ela é capaz de mudar o status do
indivíduo estigmatizado. Contudo, esse movimento, na medida em que ganha espaço
nas arenas públicas, permite a formação de um novo consenso, possibilitando uma
nova auto-representação e, com ela, uma transformação do ego e novas formas de
agir». In Soraya Silveira Simões, Identidade
e política. A prostituição e o reconhecimento de um ‘métier’ no Brasil, Revista de Antropologia Social dos
Alunos do PPGAS-UFSCar, v.2, n.1, 2010.
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