quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Modos de ver e de dar a ver os Painéis de São Vicente. Paula André, Luís Louzã Henriques, Luísa Isabel Martinho, Sónia Apolinário e Rui Reis Costa. «Os Painéis são tratados como meros documentos, como ‘puzzles fotográficos’, raramente como pintura que afinal são»

À esquerda o Painel do Infante, Painéis de São Vicente; à direita o Painel do Infante da exposição “As imagens da escrita”
Cortesia de midas

Modos de ver e de dar a ver os Painéis de São Vicente
As variações e os Painéis
«(…) Em 1988, num diálogo entre passado e presente, o MNAA expõe face a face os Painéis e as variações que o pintor João Vieira fez da obra de Nuno Gonçalves. O próprio pintor faz questão de frisar:
  • apesar de todo o trabalho detectivesco feito à volta dos painéis ditos de Nuno Gonçalves, o crime permanece insolúvel. Os Painéis são tratados como meros documentos, como puzzles fotográficos, raramente como pintura que afinal são. Para procurar respostas decidi, não decifrar o mistério dos painéis, mas criar uma obra a partir deles, que espero seja tão misteriosa, ou tão pouco, como eles são. Ponhamos que dou réplica à provocação do pintor, com outra pintura, como não pode deixar de ser. Assim encaro o problema da tradição: continuar a pintura, ou destrui-la, ou destruir-me.
Em 2001 regressam temporariamente ao 2.º andar do palácio, para a exposição Um Detalhe Imenso, em que fragmentos da capela das Albertas, reais ou representados, vêm povoar as salas do museu. Se para alguns espaços se trazem objectos da capela, no caso da sala dos Painéis, aplicou-se um desenho mural de um pormenor arquitectónico. Em 2010 e em 2011, para as exposições A Invenção da Glória: D. Afonso V e as Tapeçarias de Pastrana, e, Primitivos Portugueses 1450-1550: o Século de Nuno Gonçalves, são adoptados para o fundo em que surgem os Painéis cores fortes e quentes, respectivamente, vermelho e vinho. Na segunda, que assinala a comemoração de um século de exposição da obra, abre-se um diálogo com a contemporaneidade, colocando em frente aos painéis o retábulo contemporâneo Altar Piece #2 do pintor e escultor Pedro Cabrita Reis. Subjacentes aos critérios expositivos estão determinadas políticas expositivas. Assim, sendo a obra de José Figueiredo importante enquanto momento inicial de um movimento lusitanista na arte nacional, entende-se que em 1911 o seu autor passe a dirigir o MNAA e que os Painéis aí sejam acolhidos e tomados como obra de referência; na mesma lógica, os critérios expositivos adoptados no museu serão secundados em exposições internacionais em que a glorificação e identidade nacionais, e coloniais ou imperiais, são uma das principais preocupações. Do mesmo modo a intervenção estatal no critério de exposição dos painéis após o evento do ano de 1940 se entende no sentido de não alterar a imagem que tinha sido dada a ver na Exposição do Mundo Português.
Também ao longo do tempo os sucessivos momentos de celebração nacional recorrem aos mesmos temas e obras. Os descobrimentos portugueses são recorrentemente celebrados, e com eles, as mesmas personalidades históricas, nomeadamente o Infante Henrique e Vasco da Gama, como se verificou na XVII Exposição e na Expo 98. Quanto aos conceitos expositivos, verifica-se um percurso de despojamento dos critérios museográficos que, partindo de uma ambiência carregada de peças e elementos decorativos, caminha para uma simplificação progressiva do espaço, que acompanha o advento do modernismo e as subsequentes tendências artísticas. Assim, a profusão inicial encontrada por José Figueiredo no museu segue um critério que, segundo O’Doherty, reporta a uma concatenação de períodos e estilos das obras que cobriam as paredes do chão ao tecto, justificado pelas representações sociais da época:
  • O espaço era descontínuo e categorizável, do mesmo modo que as habitações que alojavam esses quadros tinham diferentes compartimentos para diferentes funções. O pensamento do século XIX era taxonómico, e o olhar do século XIX reconhecia a hierarquia de estilos e a autoridade da moldura.
A depuração progressiva dos critérios caminha para um espaço neutro onde a obra de arte está isolada: de outras obras, e até do mundo para além das paredes do museu ou galeria, assemelhados a um cubo branco:
  • O mundo exterior não deve entrar, e assim, as janelas são habitualmente seladas. As paredes são pintadas de branco. O tecto torna-se a fonte de luz. O chão de madeira polida percorre-se clinicamente, ou é alcatifado, apoio silencioso dos pés para que os olhos se dirijam para a parede.
O Anexo onde desde 1940 os painéis têm permanecido presta-se a esta perspectiva, e pode mesmo dizer-se que a cumpriu e cumpre: paredes brancas, luz vinda do tecto, onde antes houve luz zenital, chão e rodapés discretos». In. Paula André, Luís Louzã Henriques, Luísa Isabel Martinho, Sónia Apolinário e Rui Reis Costa, Modos de ver e de dar a ver os Painéis de São Vicente, Varia, Museus e Estudos Interdisciplinares, Revista MIDAS, 2, 2013.

Cortesia de Midas/JDACT