domingo, 26 de janeiro de 2014

O Mosteiro de Santo Tirso. De 978 a 1588. A silhueta de uma entidade projectada no chão de uma história milenária. «Ao fim e ao cabo, a teia ficou terminada. Trabalho conclusivo de uns trinta anos de tão aturada quam paciente investigação. E à Universidade de S. Tiago as lágrimas saudosas que me hão-de irrigar os passos breves…»

Cortesia de wikipedia

Prefácio
«Se saudades me enlevam na velhice?!…, perguntas-me. Afora o aconchego rural dos meus pais, só os tempos distantes de Roma. Ó Roma eterna dos mártires e dos santos, paraíso perdido dos meus sonhos de criança!… Vago e etéreo ainda me revejo, tantas vezes, ora, pasta sob o braço, no átrio da Universidade; ora peregrino, na Praça de S. Pedro; ora contemplativo e extático no interior da Capela Sixtina; ora, no Coliseu, atento ao gesto último das Vestais, sobre o destino dos gladiadores vergados ao peso da derrota; ora devoto e encorajado nas sinuosas galerias das catacumbas dos teus mártires, ó Roma eterna…
Roma me gerou! E um cordão umbilical, que se me não cortaria, me prende, a cada instante, ao útero da loba capitolina, como papagaio de papel que a criança de dedos frágeis vai dominando. Um hiato que não dá para entender. Salto no escuro. De vê-la, nem por um canudo! Falta-lhe o mínimo de competência onde lhe sobeja o frenesi da ambição. Pobre Ícaro que do mais alto da subida no fundo do Oceano se houve de imergir!… Quanto a mim, sentir-me-ia a fazer a travessia do deserto. Nem o abraço de um junípero que do sol me defendesse. Na aspereza da viagem, prostrou-me o peso do cansaço, onde só uma coisa pedi aos céus. A súplica que lhe teria feito Elias: a morte. Só a morte, nada mais. E repetia-se, vezes sem conta. Sim, aparecerá, de quando em vez, o Anjo de Deus, com uma bilha de água e um pão de sob a cinza. Mas de dureza, pareceram-me anos e anos de viagem. Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te são enviados. Quantas vezes eu quis reunir os teus filhos como a galinha os pintainhos… E tu não quiseste. Fique deserta a tua casa… Quando acordo do pesadelo, vejo-me na Lusa Atenas. A Universidade, velhinha de séculos; o saber dos catedráticos, salpicado de um certo rigor que apreciei; a alegria esfusiante dos seus alunos, tão contagiante como o dedo materno apontado ao beiço da criança, que a desperta num leve sorriso; a camaradagem dos meus colegas, sempre disponíveis na ajuda a um pobre estudante trabalhador; a Sé Velha, onde, acarinhado pelo monsenhor João Evangelista, pernoitei; o fado da despedida que, desde há muito, e pela primeira vez, depois da morte dos meus pais, me fez chorar de saudade; o Quebra-costas e quantas correrias e saltos de agilidade, como cabrito montês em fuga desarvorada pela serra; Santa Cruz e sua comunidade que o Mata-Frades, apesar de perto, nunca soube compreender; a Rainha Santa e o regaço das suas rosas, o milagre permanente de um odor que me refresca a alma e o coração. Coimbra, tens sempre encanto. Mas nunca tão surpreendente como na hora mesma da despedida…
Por fim, S. Tiago de Compostela. Homenagem ao meu pároco: o acolhimento, no seu trono da Catedral, com lábios de sorriso complacente, que eu vi, com os meus
olhos que a terra há-de comer. O círculo da amizade de colegas e professores na Universidade redimiram-me do cansaço. Restauraram-se-me as forças, sentira-me novo, na recuperação maior de uma juventude que julgara para sempre perdida. Faz bem respirar estas auras primaveris! Casa grande é aquela onde cabem muitos amigos… O S. Tiago de Compostela! Ó ruas estreitas de peregrinos apinhados! Ó sagrado turíbulo que, mais que os corpos, perfumas as almas e os corações! A todos os meus professores e amigos, tantos, que fazem grande a sua casa, um adeus de saudade num peregrino que não perde a esperança de regresso. Pois, à cidade do Apóstolo, até depois da morte, possível se faz a retoma de uma visitação! Na hora da partida, pois, um muito obrigado: aos meus professores e aos meus colegas. Dos primeiros, que todos mereceram a minha estima e consideração, é compreensível se destaque quem, pela primeira vez, me acolheu, Lopez Alsina, e quem me orientou, Maria Luz Ríos Rodríguez. Aquele, me ciceroniou, nos primeiros passos e me confortou com a sua amizade; a segunda, nos últimos, quando dedicadamente e por dois anos a fio me ajudou na elaboração da tese e que, com muita exigência, me postularia quanto dar eu pude. Fique sob registo o testemunho da minha dedicação que bem lhe cabe. Se não fosse o seu ânimo, com certeza que só botaria figura de uma Penélope unifacial: dia e noite a fazer e a desfazer uma teia que nunca acabasse… Ao fim e ao cabo, a teia ficou terminada. Trabalho conclusivo de uns trinta anos de tão aturada quam paciente investigação. E à Universidade de S. Tiago as lágrimas saudosas que me hão-de irrigar os passos breves da vida que me restará». In Francisco Carvalho Correia, O Mosteiro de Santo Tirso, de 978 a 1588, A silhueta de uma entidade projectada no chão de uma história milenária, Tese de doutoramento, Facultade de Xeografía e História, Universidade de Santiago de Compostela, Estudo, Santiago de Compostela, ISBN 978-849-887-038-1.

Cortesia da USdeCompostela/JDACT