Desarmar e
Esgotar o Sofrimento
«A literatura é uma defesa contra
as ofensas da vida. A primeira diz à segunda: Não me levas à certa; sei como
te comportas, sigo-te e prevejo-te, gozo até ao ver-te agir, e roubo-te o
segredo ao recriar-te em hábeis construções que travam o teu fluxo. À parte
este jogo, a outra defesa contra as coisas é o silêncio em que nos recolhemos
antes de dar o salto. Mas é preciso que sejamos nós a escolhê-lo, e não deixar
que no-lo imponham. Nem mesmo a morte. Escolhermos um mal é a única defesa
contra esse mal. Isto significa aceitar o sofrimento. Não resignação,
mas força. Digerir o mal de uma só vez. Têm vantagem os que, por índole, sabem
sofrer de um modo impetuoso e total: assim se desarma o sofrimento e o
transformamos em criação, escolha, resignação. Justificação do suicídio.
Aqui não há lugar para a
Caridade. Ou não será talvez a verdadeira caridade esta projecção violenta de
si próprio?
O Respeito Humano é Mais Forte do que a Consciência
Todos sabemos ter pensamentos maus, mas muito
raramente praticar acções más. Todos sabemos praticar boas acções, mas poucos
são capazes de bons pensamentos.
O respeito humano é mais forte do
que a consciência. Quem não prefere ceder no seu íntimo à mais abjecta
tentação, consentir, do que praticar, mesmo inocentemente, uma acção
abjecta, no caso, bem entendido, de ser impossível desculpar-se?
A Lamentação é
Completamente Inútil
Não há dúvida de que é inútil e prejudicial
lamentarmo-nos perante o mundo. Resta saber se não é igualmente inútil e
prejudicial lamentarmo-nos perante nós próprios. Evidentemente. De facto,
ninguém se lamentará perante si próprio, a fim de se incitar à piedade, o que
nada significaria, dado que a piedade é, por definição, o voluptuso encontro de
dois espíritos. Para quê, então? Não para obter favores, porque o único
favor que um espírito pode fazer a si próprio é conceder-se indulgência, e toda
a gente percebe quanto é prejudicial que a vontade seja indulgente para com a
sua própria e lamentável fraqueza.
Resta a hipótese de o fazermos
para extrair verdades do nosso coração amolecido pela ternura. Mas a
experiência ensina que as verdades surgem apenas em virtude de uma pacata e
severa busca, que surpreende a consciência numa atitude inesperada e a vê,
como de um filme que parasse de repente, estupefacta, mas não emocionada.
Basta, portanto».
In Cesare Pavese, ‘O Ofício de Viver’
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