A Rainha Triste
«(…) Segundo esse cronista, o
rei estava obcecado pelo sexo e parecia perdidamente enamorado pela beleza da
rainha de Portugal. Algo que não parece provável, por mais bela que
pudesse ser a mãe de Joana, a julgar por uma carta que nessa altura o rei
Alfonso V de Aragão enviou de Nápoles à irmã Leonor. Nas instruções que o Magnânimo dera ao seu embaixador em
Castela, no verão de 1444, para
fazer frente aos problemas de Leonor, era-lhe ordenado que transmitisse à sua
irmã o pedido expresso de que se resignasse. Nesse memorando, o rei de Aragão
anunciava também uma decisão muito importante para o futuro da infanta Joana: a resolução de tomar a seu
cargo as sobrinhas, de cujo futuro se ocuparia com maior cuidado, se é possível,
do que se fossem as minhas próprias filhas. Essa importante resolução
faz supor que Leonor se encontrava doente. Suposição complementada pelo que
dela conta a crónica de Rui de Pina sobre um período no qual, desesperada
de todo, e vendosse já mal oulhada d'el Rey e da Raynha sua rÍmaa, e com pouca
sua ajuda, foyse da Corte pera a cidade de Tolledo, donde constrangida já de
grandes mynguoas que a apertavam, soltou quasy toda a jente que tynha.
O cronista refere que na sua chegada a Toledo a rainha ocupou-se em
localizar o maior número possível dos membros do seu séquito encomendando
os fylhamentos e vivendas de seus servidores a aquelles senhores de Castella
com que cada hum mostrava ter mais contentamento de vivir. É possível
que a rainha Leonor e Joana se
tenham instalado na antiga capital do reino visigodo em finais do verão de 1444. Quando a posição do infante
Enrique de Aragão piorou nessa cidade, que até havia pouco tempo estivera em
seu poder, a rainha e a filha começaram a receber ajuda de uma mulher a quem
Rui de Pina denomina huma Dona María da Silva de Tolledo
sem precisar que era neta de um importante magnata português casado com a irmã
de um arcebispo de Toledo. Pina conta que D. Leonor, sospirando já per Portugal, ao
menos pera lhe sua terra comer o corpo, enviou o seu capelão-mor a
Alburquerque com instruções para aí falar com um filho do duque de Bragança e lhe
pedir que mediasse com o regente um possível regresso a Portugal nam
como Raynha, mas como sua irmaa menor. Segundo este autor, a mediação
encontrou o infante Pedro disposto a ouvir a causa da sua cunhada, e o
resultado da mesma foi satisfatório. Mas esta versão não corresponde ao
conteúdo das cartas enviadas a Leonor de Portugal, nesse período e desde
Nápoles, pelo seu irmão Alfonso V de Aragão. Delas se conclui que Leonor
pedira ao irmão e à cunhada, a rainha lugartenente de Aragão, que se ocupassem da
sua filha Joana assim como de casar as infantas.
Foi a partir de então que a esposa de o Magnânimo, que na ausência do marido governava os reinos
aragoneses a partir de Saragoça, Barcelona, Lérida ou Valência, começaria a
escrever cartas a vários nobres castelhanos importantes para que ajudassem
economicamente Leonor e a filha. Ao sexto dia de Outubro de 1444, a rainha D. María de Aragão enviou
a Leonor cinco mil florins de ouro Que, ao que parece, não chegaram ao destino,
e mais dois mil a 8 de Dezembro, que desta vez a rainha recebeu. Somas importantes
mas que saberiam a pouco a uma mulher que vivera, desde o seu nascimento até
aos vinte e cinco anos, na companhia da mulher mais rica da Península Ibérica e
que, ao chegar a Portugal, encontrara um reino muito próspero e um marido que a
enchera de ricos rendimentos. É provável que o Natal de 1444 tenha sido para Leonor de Portugal o mais infeliz da sua vida.
A sua tristeza levaria um nobre português a prestar-lhe auxílio. De acordo com
a versão do cronista luso, sendo de suas nessydades sabedor, o
conde de Vila Real, primo da rainha, fez-lhe chegar de Ceuta, da qual era
governador, uma boa soma douro amoedado. No entanto, a tristeza da rainha não
parece ter afectado o carácter alegre que a sua filha Joana estava a
desenvolver.
No início da segunda semana de Janeiro de 1445, a rainha de Aragão enviou à cunhada Leonor mais dois mil
florins de ouro. Mas a intenção de Leonor de se estabelecer em Alcolea de
Cinca, feudo aragonês herdado da sua mãe, seria rotundamente impedida pelo
irmão a partir de Nápoles. É possível que a rainha aragonesa não desejasse ter
a cunhada por perto e tenha escrito ao marido a pedir-lhe que insistisse com
Leonor para permanecer em Toledo». In A Rainha Adúltera, Joana de Portugal e o
Enigma da Excelente Senhora, Crónica de uma difamação anunciada, Marsilio
Cassotti, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-626-405-5.
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