quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Cátaros e Católicos numa aldeia francesa. Montaillou. 1294-1324. Emmanuel le Roy Ladurie. «O volume que possuímos só foi inteiramente redigido, a limpo, após a nomeação de Jacques Fournier para a sede episcopal de Mirepoix, em 1326. O que mostra até que ponto o prelado.tinha a preocupação de conservar este testemunho sobre o seu trabalho…»

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Prefácio
«(…) As confissões são apoiadas, suportadas, pelas descrições que os arguidos fazem sobre o seu modo de viver quotidiano e substancial. Corroboram-se mutuamente; quando se se contradizem, Jacques Fournier esforça-se por reduzir tais diferenças; pede precisões aos diversos acusados. O que anima o nosso prelado é o ideal de uma procura (odiosa, neste caso) da verdade dos factos. Tata-se de detectar os comportamentos faltosos; trata-se seguidamente, na sua óptica, de salvat as almas. Para atingir estes objectivos diversos, o bispo mostra-se meticuloso como um escolástico; não hesita em levar por diante intermináveis discussões. Gasta quinze dias do seu precioso tempo a coovencer o judeu Baruch, apresentado em juízo perante o seu tribunal, do mistério da Santíssima Trindade; oito dias para lhe fazer admitir a dupla natureza de Cristo; quanto à vinda do Messias, requer três semanas de comentários, administrados a Baruch, que não precisava de tanto. No final dos processos são infligidas aos réus diversas penas (prisão mais ou menos rigorosa, uso de cruzes amarelas, peregrinações, confiscações dos bens). Apenas cinco acabam a sua vida na fogueira: entre eles, quatro valdenses de Pamiers e o relapso albigense Guillaume Fort, de Montaillou.
Os processos e interogatórios de Jacques Fournier assim realizados foram transcritos em vários volumes. Destes, dois estão actualmente perdidos; um deles continha as sentenças finais; por sorte, conhecemo-las graças à compilação de Limborch. Subsiste, em contrapartida, um volumoso registo in-fólio, em pergaminho. Este documento, aquando da sua confecção original, passou por três estádios: primeito, no próprio momento do interrogatório e do depoimento, um escrivão redigia à pressa o protocolo ou rascunho. Este escrivão era nem mais nem menos do que Guillaume Barthe, notário episcopal, ocasionalmente substituído no caso de se encontrar ausente, por um dos seus colegas. Guillaume Barthe, também se encarregava em seguida de redigir, a partir daqueles notas rapidamente tomadas, à minuta, num registo em papel... Ela era apresentada ao acusado que podia modificar certos termos. Finalmente, vários escribas recopiavam com calma, em pergaminho, os textos assim minutados.

NOTA: A preparação do texto final do Registo Fournier, em latim (tal como se encontra no manuscrito latino nº 4030 da Biblioteca Vaticana), efectuou-se através das etapas que acabo de descrever: coloca diversos problemas de tradução. Os acusados exprimiam-se geralmente em occitânico (ou então, em alguns casos, provavelmente pouco numerosos, em gascão). Os escribas traduziam, portanto, as palavras dos arguidos, numa certa altura, para Latim. Esta operação tinha lugat quer no próprio momento de tomat as notas (primeiro estádio), em tradução simultânea; quer (o mais tardar), aquando da redacção da minuta (segundo estádio). Esta é de facto, grosso modo, conforme ao texto final (terceiro estádio) que, por seu lado, aparece redigido em Latim.

O volume que possuímos só foi inteiramente redigido, a limpo, após a nomeação de Jacques Fournier para a sede episcopal de Mirepoix, em 1326. O que mostra até que ponto o prelado.tinha a preocupação de conservar este testemunho sobre o seu trabalho de inquisição em Pamiers. Este registo acompanhou depois Fourniet, que se tornou Bento XII, até à sua residência em Avinhão. Daí passou para a Biblioteca Vaticana, onde ainda permanece, entre os manuscritos latinos, com o número 4030». In Emmanuel le Roy Ladurie, Montaillou, village occitan de 1294 à 1324, Editions Gallimard, 1975, Montaillou, Cátaros e Católicos numa aldeia francesa. 1294-1324, Edições 70, Lisboa.

Cortesia de Edições 70/JDACT