quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Crónica. Saudade da Literatura. Antologia. 1984-2012. Manuel António Pina. «É verdade é que as entrevistas, as declarações à saída disto ou daquilo, as conferências de imprensa, os “press release”, os comunicados, obedecem a modelos canónicos que asseguram há longos anos…»

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Breve tratado de saber viver para as novas gerações de jornalistas
«Uma grande parte da vida dos chamados homens públicos, da política, das artes, da cultura, do desporto, é encenação para as plateias dos jornais. E da TV e da Rádio. Em frente às câmaras, diante dos microfones, perante os repórteres de esferográfica em punho, representam o seu próprio papel de personagens públicos debitando sem emoção as tiradas adequadas a cada circunstância. O jornalismo é, com se sabe, a mais velha profissão do mundo; e um jornalista que se preze há-de saber dar, em cada momento e a cada homem público, a deixa adequada para a fala que o público leitor, telespectador e ouvinte espera. Só um repórter novato faz perguntas com que o entrevistado não conta ou não se contenta com a resposta que lhe são dadas…
Por exemplo, só um estagiário do primeiro ano se lembraria de embaraçar o presidente de todos os portugueses… quando ele outro dia explicava na TV que o Ajax de Amesterdão estava em dificuldades no campeonato alemão, perguntando-lhe em qual das duas Alemanhas ficava, na sua opinião, Amesterdão. Um jornalista experiente, como o que o entrevistou, devia ter-se dado, como foi o caso, por satisfeito, porque ao telespectadores querem ouvir umas palavras, não querem lições de geografia. Como só um estudante de jornalismo, e também por exemplo, estranharia que o famoso político socialista… lhe declarasse que só serei secretário-geral se os meus camaradas quiserem, sendo sabido que, tratando-se de um lugar de eleição (?), só se os eleitores seus camaradas de partido quiserem poderá, naturalmente … ou qualquer outra pessoa, ser eleito secretário-geral.
É verdade é que as entrevistas, as declarações à saída disto ou daquilo, as conferências de imprensa, os press release, os comunicados, obedecem a modelos canónicos que asseguram há longos anos a seriedade da Imprensa e a segurança das instituições. Quando um político não confirma nem desmente uma informação, o jornalista não deve querer aprofundar, com particularidades inconvenientes, a filosofia da asserção, nem tão-pouco chamar a atenção do homem público que diz não faz comentários a um determinado acontecimento, comentando que acaba precisamente de fazer um comentário; o político e o homem público em causa deram, à deixa do repórter, a réplica adequada ao instante do espectáculo e o repórter não deve pretender introduzir alterações no argumento. Porque a política, como as artes, a cultura e o desporto, não são happenings e a tranquilidade das famílias depende de frases certas como não confirmo nem desminto e não faço comentários ditas no momento certo pelo homem político certo». In Manuel António Pina, JN, 12 de Dezembro de 1987. 

In Manuel António Pina, Crónica, Saudade da Literatura. Antologia, 1984-2012, selecção de Sousa Dias, Assírio & Alvim, Porto, 2013, ISBN 978-972-37-1684-9. 

Cortesia de Assírio & Alvim/JDACT