Um hesitante chefe de linhagem
«(…) A sua ascensão a chefe de linhagem ocorre precisamente nos momentos
de enorme perturbação político-militar decorrente, por um lado, da morte do rei,
em Outubro de 1383 e, por outro, da
entrada em território português de Juan I de Castela e de D. Beatriz, que
cruzam a fronteira precisamente na região da Beira, apenas alguns quilómetros a
sul dos domínios de Gonçalo Vasques.
Inicialmente indeciso quanto ao que fazer face a estes desenvolvimentos,
acabará, por conselho de Vasco Martins Melo e do filho deste, Vasco Martins
Melo, O Moço, e, acima de tudo, de
sua mãe, Beatriz Gonçalves, por decidir não prestar menagem aos novos monarcas,
quando estes entram na cidade da Guarda, em meados de Dezembro do mesmo ano. Informado
de que Gonçalo Vasques não tinha
apoiado o rei de Castela, rapidamente o Mestre de Avis procurou atraí-lo para o
campo oposto doando-lhe, no dia 18 de Maio de 1384, em recompensa pelos serviços que entendemos de receber
adiante, as localidades beirãs de Armamar e Sernancelhe, com
os direitos, rendas e foros respectivos. E se isso não levou a que clarificasse
a sua posição, pelo menos parece ter evitado que seguisse o exemplo de outros
fidalgos seus vizinhos, como Vasco Martins Cunha e Martim Vasques, seu filho,
Fernando Afonso Melo e Álvaro Gil Carvalho, que não hesitaram em prestar
menagem ao rei castelhano.
Ainda que nada se conheça relativamente ao seu trajecto nos meses seguintes,
é admissível que tenha mantido, pelo menos na aparência, uma posição de
apoio ao Mestre João, facto que se
deduz pela circunstância de este, em Outubro seguinte, o ter agraciado com toda
a jurisdição sobre a região de Trancoso, de que era alcaide. Por esta
mesma altura, isto é, já depois do final do cerco castelhano a Lisboa, recebe
também do Mestre de Avis, de quem, segundo o documento, seria já vassalo, a
povoação de Fonte Arcada, para além da jurisdição sobre todas as outras
terras que trazia da Coroa. Em data próxima, o Mestre recompensa também Álvaro Cardoso e Álvaro Dias, escudeiros
de Gonçalo Vasques, certamente que
por intercessão deste, com uma quinta em Seia, o que se nos afigura como um sinal
claro da sua crescente aproximação ao partido de Mestre João. Apesar de, mais uma vez, as fontes pouco adiantarem a
esse respeito, deve ter sido no período que se seguiu ao final do cerco a
Lisboa que Gonçalo Vasques Coutinho
liderou as forças concelhias do Porto, quando estas se lançaram à conquista do
castelo de Faria (ou do castelo da Feira). Tratou-se, todavia, de um
comando rodeado de alguma polémica, pois como alegavam, em 1436, os procuradores daquela cidade, Gonçalo Vasques teria exigido o pagamento de 1000 libras para os conduzir
nessa acção militar, porque doutra
guisa o nom quis fazer.
Depois daquelas doações de 1384,
voltamos a perder-lhe o rasto até Março do ano seguinte, altura em que
participa nas cortes de Coimbra. Como seria de esperar, em face das suas
atitudes mais recentes, foi, ao contrário do que sucedeu com outras figuras de
prestígio da sua região, como Martim Vasques Cunha, um dos apoiantes da candidatura
do Mestre de Avis ao trono português, subscrevendo mesmo o auto da sua eleição
como João I. E em resultado desse mesmo apoio, em meados de Abril de 1385, isto é, pouco depois do final
daquela assembleia, foi amplamente beneficiado pelo rei com um novo conjunto
substancial de doações: todos os foros e rendas de Trancoso; os bens
que o seu cunhado, Martim Gonçalves Ataíde, possuía na comarca da Beira; as
terras de Queimada; Benviver; Gestaçó, Geminha; Sanfins;
Penajóia; Penaguião, Fontes e Godim; sobre as quais João I lhe concedia também jurisdição,
para além das rendas e pensões dos tabeliães de Lamego, o que o convertia num
dos mais poderosos senhores da Beira. A todo este vasto património, acrescentavam-se
ainda os castelos e vilas amuralhadas que viesse a conquistar ao inimigo, quer
em Portugal, quer em Castela, sinal evidente, por um lado, de uma notável capacidade
de mobilização militar e, por outro, da margem de manobra e elevado grau de
autonomia que o monarca lhe concedia para actuar sozinho, como se de um
autêntico fronteiro-mor se tratasse. Contudo, se porventura Gonçalo Vasques tinha projectos para se
destacar no desempenho de acções ofensivas, acabou por ser a necessidade de
defender os seus territórios que o levou a envolver-se numa violenta acção
armada, logo em Maio de 1385». In
Miguel Gomes Martins, Guerreiros Medievais Portugueses, A Esfera dos Livros,
Lisboa, 2013, ISBN 978-989-626-486-4.
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