«(…) Tratava-se de fazer
do mundo inteiro uma terra Santa.
Mas, para isso, primeiro teriam que se apoderar do mundo. Mas como, a uma
minoria valente, organizada e rica, muito vagamente consciente da grandiosa
finalidade de suas façanhas, porém, sabiamente dirigida por um grupo de
iniciados, e que soubesse guardar o segredo e obedecer cegamente, era-lhe
perfeitamente possível. Todavia, chegou o dia em que a coisa saiu à luz e em
que os fugitivos, orgulhosos decepcionados ou amargurados, falaram. O rei da
França farejou o ganho, e soube fazer cúmplice ao papa, quem já era seu devedor
do acordo nocturno do bosque de Saint-Jean-d'Angély. O tesouro real e o
dogma romano tinham o xeque-mate em suas mãos. Então, os servos da justiça engraxaram
a madeira dos potros, e os verdugos puseram ao vermelho candente suas
tenazes ardentes. E quando se apoderaram de todo o dinheiro do Templo e
confiscaram os feudos e as encomendas, acenderam-se as piras.
Sua fumaça negra,
gordurosa e fedorenta, que entrevava alvoradas e crepúsculos, desterrou,
durante seiscentos anos, a esperança de uma unidade europeia e de uma religião
universal que unisse a todos os homens. Mas essa fumaça, acima de tudo, ia
afogar a verdade sobre a maior impostura da História. Por isso, para afastar
sua sombra maléfica, é que foram escritas estas páginas, embora depois de
muitas outras, já que, muito antes dos Templários, os cátaros tinham
conhecido e propagado esta verdade. E foi calar suas vozes pelo que fizeram
aniquilar a civilização occitana,
como vamos demonstrar a seguir. Roncelin de Fos, o mestre Roncelin dos interrogatórios, possuía como senhorio
um pequeno porto que levava seu nome (Fos-sur-Mer),
situado ainda em nossos dias na entrada ocidental do lago de Berre. Era
então vassalo dos reis da Mallorca, os quais dependiam dos reis de Aragão,
defensores da heresia cátara na batalha do Muret, no ano 1213. Béziers, a cidade mártir
da Cruzada, está muito perto, e a matança efectuada sobre toda a sua população
(100.000 pessoas) pelos cruzados de Simão de Montfort, em 22 de Julho de
1209, católicos e cátaros incluídos.
Em seu coração aninhou o ódio contra a Igreja católica, que era então sinónimo
de cristianismo, de modo que para ele ambos estavam englobados dentro de uma
aversão comum. Os atestados dos interrogatórios que os inquisidores nos legaram
são bastante moderados em relação às apreciações atribuídas aos hereges sobre o
Jesus de Nazaré. Podemos julgá-lo nós mesmos; a seguir veremos o que terá que
deduzir de tudo isso. O Manual do Inquisidor do dominicano Bernard Gui (1261-1331),
intitulado Practica, proporciona a este respeito preciosos detalhes: A
Cruz de Cristo não deve ser nem adorada nem venerada, já que ninguém adora ou
venera o patíbulo no qual seu pai, um familiar ou um amigo foi enforcado.
(dicunt quod crux Christi non est
adorando nec veneranda, quia, ut dicunt, nullus adorat aut veneratur paábulum
in quo pater aut aliquis propinquus vel amicus fuisset suspensus...) item,
negam
a encarnação de Nosso Senhor Jesus Cristo no seio da Maria sempre virgem e
sustentam que não adoptou um verdadeiro corpo humano, nenhuma verdadeira carne
humana como a têm os outros homens em virtude da natureza humana, que não
sofreu nem morreu na cruz, que não ressuscitou dentre os mortos, que
não subiu ao céu com um corpo e uma carne humanos, mas sim tudo isso aconteceu
de modo figurado!... (ítem, incarnationem
Domini Ihesu Christi ex María semper virgine, asserentes ipsum non habuisse
verum corpus humanum nec veram carnem hominis sicut habent ceteri homines ex natura
humana nec veré fuisse passum ac mortuum in cruce nec veré resurrexisse a
mortuis nec veré ascendisse in celum cum corpore et carne humana, sed omnia in
similitudine facía fuisse!...
É fácil compreender semelhante prudência na transcrição das respostas:
o facto de manter e relatar a verdadeira opinião dos perfeitos sobre Jesus de Nazaré teria significado destruir o
trabalho depurativo dos padres da igreja e a dos monges copistas. Isso explica
que tenham chegado às nossas mãos tão poucos atestados completos do
interrogatório dos perfeitos. Em
relação aos simples crentes, que ignoravam a doutrina total, esses
tinham menor importância. Mas a verdade é muito distinta. Na época em que se
desenvolve o início da Cruzada os nobres tolosanos, os vassalos dos condes de
Foix e dos Trencavel, os viscondes de Béziers, se não receberam já o consolamentum
dos perfeitos cátaros, todos eles
são, em sua maioria, crentes. Terá que incluir já entre eles aos
templários de certas regiões, tendo em conta a sua estranha atitude no curso da Cruzada? Este ponto ainda não está
bem elucidado. Seja como for, os vassalos dos condes de Foix e dos viscondes de
Béziers albergam, todos, aos perfeitos,
amparam suas reuniões, e às vezes recebem o consolamentum em seu
leito de morte. As mulheres, mais valorosas e mais ardentes, não esperam já a
sua última hora para colocar a famosa túnica negra das perfeitas. Os textos dos interrogatórios da Inquisição (maldita) são explícitos a este respeito. E as nobres
famílias vassalas dos condes de Foix e dos viscondes de Béziers, os Fanjeaux,
os Laurac, os Mirepoix, os Durban, os Saissac, os Cháteauverdun, os de L'Isle-Jourdain,
os Castelbon, os Niort, os Durfort, os Montréal, os Mazerolles, os des Termes,
de Minerve, de Pierrepertuse, etc., para não citar senão as famílias
principais, contam todas com hereges
revestidos entre seus membros, e todos os outros são crentes ou
simpatizantes». In Robert Ambelain, Jesus ou le mortel secret des Templiers, 1970, Éditions
Robert Laffont, Paris, O Segredo Mortal dos Templários, Ediciones Martinez
Roca, 1982, Barcelona, ISBN 84-270-0727-2.
Cortesia de Roca/JDACT