1361-1387. A filha mais velha dos duques de Lencastre
«É em Inglaterra que começa esta biografia de uma aristocrata inglesa
que, fruto da conjuntura política internacional e das ambições pessoais dos
seus parentes mais próximos, veio a tornar-se rainha de Portugal. Um acaso
improvável!
Nasce Philippa, filha dos condes de Richmond
Foi possivelmente no castelo de Leicester, pertença do seu avô materno,
que a primeira filha do jovem casal Blanche de Lancaster e John Plantageneta
veio ao mundo, a 31 de Março de 1360.
A mãe, ainda muito jovem, talvez não tivesse mesmo mais de 15 anos, passara os
últimos meses de gravidez na companhia da sogra, a rainha Philippa de Hainaut,
mas, para o momento do parto, parece ter optado antes por contar com o apoio
dos pais, uma vez que o marido se encontrava ausente do reino. O castelo de Leicester
era, de facto, uma das residências mais emblemáticas do património da família
de Blanche, símbolo do poder dos condes de Leicester, um dos títulos ostentados
pelo seu pai. Mas o facto de ter preferido dar à luz num local e ambiente
familiares não significa que não possa ter tido a acompanhá-la, enquanto visita
de seus pais, a própria rainha. Na verdade sabemos que, a 21 de Maio, foi a
sogra quem pagou as despesas da cerimónia religiosa que marcou a recuperação de
Blanche após o bem-sucedido parto.
A avó paterna deve também ter desempenhado o papel de madrinha no ritual
de introdução da nova neta na comunidade cristã. Assim, a recém-nascida
chamou-se Philippa tal qual a rainha, mãe do seu pai. Este, porém, só a terá
conhecido quando Philippa já contava quase 2 meses. Estivera em França,
integrado no exército do pai e do irmão mais velho, numa campanha vitoriosa que
se concluíra de forma positiva para os ingleses, que haviam conseguido fazer
assinar em Brétigny um tratado com cláusulas que lhes eram francamente
favoráveis, permitindo a Edward III guardar algumas das terras conquistadas e
alargar o seu ducado da Aquitânia. Constituía, ao fim de vinte e três anos de guerra
com França, uma boa notícia, embora estivesse longe de corresponder às
aspirações que tinham levado o avô de Philippa a enveredar por um tão longo
conflito com o reino vizinho que tivera sempre ligações com Inglaterra. Nessa
afinidade entre os dois reinos radicava, porém, o problema.
Uma família real vassala dos de França
Os reis de Inglaterra, dadas as suas raízes normandas, tinham sido sempre
grandes proprietários em França e sentiam-se até mais franceses que ingleses.
Os poderes que exerciam para lá do canal da Mancha, the English Channel tinham,
todavia, sofrido uma grande quebra desde o início do século XIII, quando o
património fora reduzido à posse da região da Gasconha, localizada no sudoeste
continental. Henry III de Inglaterra restaurara o ducado da Aquitânia, que
agora incluía pouco mais do que a Gasconha, através da assinatura, a 4 de Dezembro
de 1259, do Tratado de Paris,
mas perante o rei de França a sua situação era agora a de vassalo lígio, com
obrigações bem determinadas para com o seu suserano. O monarca inglês tornara, porém,
o ducado francês parte integrante do território da coroa inglesa ao transformá-lo
em prerrogativa do filho mais velho, futuro herdeiro do trono. Tais atitudes e
outras por parte dos reis ingleses foram aproveitadas esporadicamente pelos
seus suseranos franceses para lhes confiscarem o senhorio da Aquitânia.
Acontecera em 1294, em 1324 e voltou a suceder em 1337, reinando já Edward III. Das duas
primeiras vezes o ducado fora restituído aos monarcas ingleses mediante a
reafirmação da sua vassalagem. Porém, agora, a reacção do novo monarca inglês
seria diferente e alimentada por um novo argumento que incrementaria a hostilidade
entre os dois reinos.
Edward III ascendera ao trono de Inglaterra em 1327, quando contava apenas 14 anos. Sucedia a seu pai, Edward II,
que havia sido deposto depois de uma invasão a partir de França dirigida pela
mulher, que se sentia preterida e ferida na sua honra face a alguns privados do
rei, e por Roger Mortimer, um dos seus mais destacados adversários. Este
aristocrata inglês passara algum tempo no Hainaut, um pequeno condado do Sacro
Império Romano-Germânico e, já no exílio, tornara-se amante da mulher de Edward
II, Isabel de França. O filho desta, Edward, que também regressara a Inglaterra
na armada destinada a depor o monarca, tinha estado no continente desde há,
cerca de um ano, representando o pai, enquanto duque da Aquitânia, na cerimónia
de homenagem ao rei de França, Charles IV. Entre 1327 e 1330, nos
primeiros anos do seu reinado, portanto, foi apenas um fantoche nas mãos de
sua mãe e de Roger Mortimer, autoproclamado conde da Marca, empenhados num
governo revanchista, cujas decisões a nível político e militar estavam longe de
obter o consenso entre os restantes dignitários do reino». In Manuela Santos Silva, A Rainha
Inglesa de Portugal, Filipa de Lencastre, Círculo de Leitores, 2012, ISBN
978-972-42-4707-6.
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