Um dos bons da cidade
«Irmão de João Vasques e filho de Vasco Lourenço e de Inês Rodrigues, Antão Vasques é, a par de seu sobrinho
Álvaro Vaz-talvez o mais célebre membro de uma das mais prestigiadas famílias
da cidade de Lisboa, os Almada. A fortuna desta linhagem provinha, por
um lado, de uma estreita ligação ao comércio internacional e, por outro, da
posse de um vasto património fundiário distribuído entre a capital e a vila de
Almada, de onde era oriunda. Tal como o seu pai, atestado como vereador em 1365-1366,
também Antão Vasques, que terá
nascido não muito longe da década de 1350,
cedo se aproxima dos órgãos de gestão concelhia lisboetas, de tal forma que, em
finais de 1383 integra já as
magistraturas municipais, desempenhando o cargo de alvazil do crime de
Lisboa, sinal claro do prestígio de que era detentor. Porém, será pelo serviço
das armas que Antão Vasques se irá
celebrizar, afumando-se como um dos mais destacados guerreiros e comandantes
militares do seu tempo.
A fortuna, o enquadramento familiar, o prestígio e as relações estreitas
com outras das mais importantes linhagens lisboetas, nomeadamente com os
Nogueira, através do seu padrasto, Gonçalo Miguéis, e de sua irmã Joana
Vasques, mulher de Afonso Anes Nogueira, rapidamente o terão elevado ao
estatuto de um dos bons da cidade, como é apelidado por Fernão Lopes. E foi
tudo isso que levou a que, em altura que supomos próxima de 1372, fosse integrado na vassalagem do irmão
da rainha, o conde de Barcelos, João Afonso Telo, que também nesse ano,
ascendia à dignidade de alcaide-mor de Lisboa. Por essa mesma altura, eram
igualmente feitos vassalos do Telo, os prestigiados Martim Afonso
Valente, Estêvão Vasques Filipe, Afonso Anes Nogueira, Afonso Furtado e Afonso
Esteves Azambuja. Era através destas personalidades que o alcaide-mor pretendia
cimentar a sua influência na capital e, ao mesmo tempo, constituir um grupo
sólido de vassalos que pudessem assegurar-lhe a formação de uma numerosa e bem
equipada mesnada senhorial.
Não se conhece o trajecto de Antão Vasques entre 1372 e 1383, sendo
possível, no entanto, que tenha participado em alguns dos episódios das Guerras
Fernandinas, designadamente na defesa de Lisboa durante o cerco de 1373. É igualmente admissível gqe,
enquanto vassalo de João Afonso Telo, elevado à dignidade de
almirante-mor nesse mesmo ano, e à semelhança de Estêvão Vasques Filipe e
Afonso Anes Nogueira, tenha também integrado a armada portuguesa derrotada na Batalha Naval de Saltes, em 1381, o que, a ter efectivamente
sucedido, pode sugerir que foi um dos muitos portugueses então capturados pelos
castelhanos e libertados dois anos depois, na sequência da assinatura do Tratado de Salvaterra. Contudo,
sem qualquer fonte que ateste essa hipótese, ainda assim verossímil, tudo não
passa de meras conjecturas.
E é precisamente em finais de 1383
que Antão Vasques volta a surgir nas
fontes, pouco mais de um mês após a morte do rei Fernando I, isto é, por altura
dos tumultos ocorridos na sequência do assassinato do conde João Fernandes Andeiro,
na noite de 6 de Dezembro desse ano, acontecimento que marcava o início da
oposição lisboeta à regência de D. Leonor Teles e à aclamação de D.
Beatriz e de Juan I de Castela como reis de Portugal. Mas esta noite traria
ainda outros episódios de grande violência, como o assalto à Sé de Lisboa e o
assassinato do bispo Martinho, lançado de uma das torres da igreja
catedral, tal como um tabelião e o prior da colegiada de Guimarães que, na
altura, se encontravam com o prelado. No dia seguinte, com a cidade em plena
ebulição, o clima de insurreição popular aumenta de tom, desta feita contra os
judeus, convertidos no alvo do ódio popular. É então que, para evitar o banho
de sangue em que certamente se iria converter o projectado assalto à Judiaria
Grande da capital, o Mestre de Avis,
que havia já sido empurrado para a liderança da revolta, incumbe Antão Vasques, que detinha o cargo de alvazil
do crime em Lisboa, de apregoar pela cidade, em nome da rainha, ordens
expressas para que nada fosse atentado contra a população judaica. Contudo, é
em nome do Mestre, e não no da
regente, que o pregão é lançado, uma opção que acabará por fortalecer a posição
do Mestre João, apresentando-o aos
olhos da população como o garante da segurança na capital e, ao mesmo tempo,
por debilitar ainda mais a de D. Leonor, que, assim, era vista como incapaz de
manter a ordem na cidade. De tal forma que, no dia seguinte, a viúva do rei
Fernando I acabará por fugir para Alenquer com a corte». In Miguel Gomes Martins,
Guerreiros Medievais Portugueses, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2013, ISBN
978-989-626-486-4.
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