NOTA: Conforme o original
Ideia Geral do Romantismo
Como a Europa se Esqueceu da Edade Media
«(…) A Itália, tornada a
sede da erudição, venceu muitas vezes a corrente deletéria, pelo encyclopedismo
dos seus grandes génios que presentiram
e aspiraram a unidade nacional; a pintura, como não teve que imitar da
antiguidade, attingiu logo no século XV a máxima perfeição; a musica, procurando
os modos gregos, e querendo harmonisar-se com a tradição gregoriana da egreja,
jazeu embryonaria até ao século XVIII. A Hespanha, perdeu a creação do seu
Romanceiro, já extincta no século XV; os poetas traduziram e imitaram a
antiguidade, como Santilhana ou Vilhena, mas o theatro foi original, não só
porque sob a pressão catholica era o único órgão da opinião publica, mas porque
se baseava sob o fundo tradicional e histórico da nacionalidade. Portugal nunca
dera forma ás tradições, que possuia; a sua litteratura, como o notou Wolf,
teve de imitar sempre, attingindo por isso uma prioridade de quem não elabora,
e uma perfeição de quem só reproduz mechanicamente; em vista d'este caracter o
Romantismo só podia apparecer n'este paiz, quando elle estivesse auctorisado, e
se admittisse como imitação. Logicamente foi Portugal o ultimo paiz onde penetrou
o Romantismo. Por uma connexão evolutiva profunda, em todos os paizes onde se
estava operando uma nova ordem na forma politica, seguiu-se egualmente essa crise
litteraria, que fazia com que se procurasse reflectir a expressão ou caracter
nacional nas creações da litteratura. Por isso durante as luctas do Romantismo,
muitas vezes os partidários dos novos princípios litterarios foram acusados de
perturbadores da ordem publica, como em França, e até assassinados como
demagogos pelo despotismo na Itália.
Marcha da Renascença Românica
Competia á Allemanha,
que iniciara com a Reforma a liberdade
de consciência, completar a obra proclamando a liberdade do sentimento. O movimento do Romantismo partiu da
Allemanha, porque era a nação que pelos seus hábitos philosophicos mais
depressa podia chegar á verdade de uma concepção racional, e porque os thesouros
das suas tradições, apesar, dos séculos que se immolou ao catholicismo, eram
por tal forma ainda ricos, que ao primeiro trabalho de Graaf, reconstituiu-se a
velha lingua allemã, pelo trabalho de Jacob Grimm, a mythologia e o symbolismo
germânico, pelo trabalho de Guilherme Grimm e Lachmann, as Epopêas da
Allemanha, a ponto de um Stein levar o espirito nacional para a independência,
e Bismarck aproveitar esta mesma corrente da renovação das tradições e fundir
todas as confederações em uma absurda unificação imperial. Depois da Allemanha,
era á Inglaterra, pelas condições de independência civil e politica provenientes
das suas instituições, que se podia ir procurar o segredo da originalidade litteraria.
Pela justa coexistência entre uma aristocracia territorial e as classes
industriaes, a realesa não pôde usar as forças sociaes segundo o seu arbitrio;
a crise religiosa provocada por Henrique XVIII, e a revolução politica de Cromwel,
foram dois dos maiores impulsos para a dissolução do regimen catholico-feudal.
Uma sociedade trabalhada pelas emoções de tão importantes movimentos, não podia
deixar de se inspirar da sua actividade orgânica; os escriptos de um
Shakespeare, de Ben-Jonhson, de Marlow, de De Foë, de Fielding, de Swift, de
Richardson, têm todos os caracteres da litteratura moderna: a vida subjectiva da
consciência individual aproximada da generalidade humana, os interesses e
situações de uma vida social que se funda em deveres domésticos ou de familia.
Os romances de Walter Scott serão sempre bellos e um grande documento para
extremar as litteraturas modernas das antigas, em que a vida publica era o
objecto da idealisação artística; por esta clara concepção de Gomte, é que
entendemos que a palavra Romantismo
exprime cabalmente o facto da renovação das litteraturas da Europa no principio
d'este século. A verdade existe quando a theoria condiz com o facto; efectivamente
a Allemanha recebeu da Inglaterra o primeiro impulso para a renovação
litteraria que se propagou aos povos do meio dia.
Temos até aqui mostrado como a Europa perdeu o conhecimento das suas
relações com a Edade media, e quaes os povos que estavam em condições mais
favoráveis para as descobrir. Falta ainda seguir o trabalho d'essa renovação; é
a esta parte que chamaremos causas do Romantismo. Desde o começo este
século assignalou-se por um novo critério histórico; a erudição quebrou as
estreitas faixas em que a envolveram os commentadores das obras da antiguidade,
e exerceu-se sobre as instituições da Edade media. O christianismo, tido até
ali como único mediador da civilisação, teve de ceder a maior parte de seus
titulos ao fecundo elemento germânico modificado pela civilisação greco-romana.
Diez cria a grammatica geral das linguas românicas, e assim se descobre
a unidade dos povos românicos. Desde que Kant enceta a renovação
philosophica, o problema da esthetica, ou philosophia da arte, nunca mais foi
abandonado; por seu turno Fichte, Schelling e Hegel levam á altura de sciencia
a critica das creações sentimentaes. A estas duas causas, accresce o dar-se em
quasi todos os povos da Europa, em consequência da revolução franceza, uma aspiração
nacional em virtude da qual a realesa despotica teve de acceitar as cartas
constitucionaes: ou também, no periodo das insensatas invasões napoleónicas, os
povos tiveram de resistir pela defensiva, reconhecendo assim pelo seu esforço o
gráo de vida da nacionalidade. As litteraturas tiveram aqui um ensejo para se
tornarem uma expressão viva do tempo. Sciencia complexa, como todas as que
analysam e se fundam sobre factos passados dentro da sociedade e provocados por
ella, a historia litteraria só podia ser creada em uma época em que o homem
dotado de faculdades menos inventivas, está comtudo fortalecido com o poder de
observar-se e de conhecer o gráo de consciência ou de fatalidade que teve nos
seus actos». In Teófilo Braga, História do Romantismo em Portugal, Ideia geral do
Romantismo, Garrett, Herculano, Castilho, Nova Livraria Internacional, Imprensa
Sousa Neves, Lisboa, 1880.
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