O Livro
«E quando chegares à dura
pedra de mármore não digas: água, água!,
porque se encontraste o que procuravas
perdeste-o e não começou ainda a tua procura;
e se tiveres sede, insensato, bebe as tuas palavras
pois é tudo o que tens: literatura,
nem sequer mistério, nem sequer sentido,
apenas uma coisa hipócrita e escura, o livro.
Não tenhas contra ele o coração endurecido,
aquilo que podes saber está noutro sítio.
O que o livro diz é não dito,
como uma paisagem entrando pela janela de um quarto vazio».
Resposta
«Algo mais elementar que o espaço e o tempo,
e a escuridão luminosa do Areopagita,
uma hipótese ilegível, antes do pensamento,
uma sílaba só de uma palavra não dita,
sem sentido e sem finalidade, apenas uma ocasião,
como um olho único e cego que vê
do fundo da sepultura da razão,
vaste comme la nuit et
comme la clarté.
Um sonho
de uma sombra de quê?»
Poemas de Manuel António Pina, in ‘Livro’
In Manuel António Pina, Os Livros, Editora Assírio Alvim, Lisboa, 2003,
ISBN 972-37-0861-2.
Cortesia AAlvim/JDACT