«Feliz é o homem que acha a sabedoria, e o homem que adquire o
conhecimento; porque melhor é o lucro que ela dá do que a prata, e melhor é a
sua renda que o ouro mais fino».
«(…) Para o
fortalecimento da heresia albigense no sul da França, é necessário analisar o contexto
que norteia o Ocidente nos séculos XII e XIII, que diferem, por exemplo, das apreensões
percebidas na virada do ano mil, bem como nos séculos XIV e XV. Na tentativa de
buscar hipóteses para a peculiaridade do recorte escolhido, foi analisado o segundo
autor proposto para nortear esta pesquisa teoricamente: Brenda Bolton e a
sua obra, Reforma na Idade Média.
A ideia de um período ímpar de mudança no Ocidente neste recorte temporal não
surge com Brenda Bolton, aliás, é muito mais antigo. Marc Bloch no seu Ocidente
Medieval mostra suas ressalvas na utilização do termo Renaissence, numa analogia directa ao movimento italiano do
século XV. É neste sentido que consideramos o termo adoptado por Bolton, Reformatio, mais adequado em
nossa opinião enquanto conceito balizado. Segundo a autora: [...] foi tão
grande este fermento espiritual e alterou-se de tal modo a concepção dos homens
quanto à vida cristã e a sua finalidade no mundo, que alguns historiadores da
espiritualidade medieval consideram que esta representa uma mudança tão profunda
e duradoura como a Reforma do século XVI.
A base para a Reformatio estaria na
profunda crise da cristandade ocidental, onde a mudança no pensamento cristão
resultou na mutação da espiritualidade, que por sua vez gerou outras crises que
influenciaram todo o conjunto da vida religiosa que libertaram uma efervescência
considerável de ideias. Esta efervescência une-se ao que Jacques Verger chama de contexto
favorável. Este
breve panorama constitui-se na base do surgimento do catarismo, na
medida em que, [...] o
movimento herético foi um dos aspectos do renascimento religioso da época e, em
parte, um subproduto das mudanças culturais, sociais e económicas dos séculos
XI e XII. Para Brenda Bolton, as reacções da Igreja a este contexto de
mudança são tão importantes quanto às consequências representadas pela eclosão
das heresias. Neste ponto, a figura do papa Inocêncio III é central. Segundo a
autora, [...] ele não só estabeleceu a distinção ou distinctio, entre heréticos irredutíveis e aqueles que eram meramente
desobedientes, como também assinalou a suprema insensatez que era excluir-se da
Igreja tanto os últimos como os primeiros. Com grande perspicácia, habilidade e
energia, Inocêncio conseguiu incorporar estes grupos desobedientes na
hierarquia da Igreja.
O segundo tópico qual
seja, Os personagens trata
basicamente de duas figuras: Inocêncio III e Filipe Augusto.
Foram escolhidos, pois de acordo com a minha hipótese de trabalho, a descrição
de Simon
de Montfort por Pierre, contém no seu âmago, o ideal de dois universos
distintos, porém complementares: o guerreiro exemplar e o cristão fiel.
Este era o modelo que ambos, Filipe e Lotário, buscavam para si. O papel
da Sé Católica no conflito está personificado na pessoa do papa Inocêncio III
que assumiu o trono de Pedro entre 1198-1216. Considerado pela
historiografia católica como um dos maiores papas da Idade Média, foi hábil em
unificar o poder de Roma, desgastado após um século de conflitos internos entre
monarcas e os nobres de Roma.
NOTA: Lotário queria
certificar-se que os próximos 100 anos seriam menos turbulentos que os
precedentes. Os anos 1100 não tinham
sido uma época feliz para os delegados de Cristo. Antes de Inocêncio, onze dos dezasseis
pontífices do século XII viram os papas mantidos à força longe de Roma por
amotinados, republicanos ou agentes de reinos distantes. A comuna romana,
liderada por Arnold de Brescia na metade do século, foi um episódio
particularmente vívido num pesadelo recorrente. Em 1145, o papa Lúcio II morreu por conta de ferimentos sofridos numa
batalha pelo controle do Capitólio; trinta anos antes, um fraco e velho Gelásio
II foi posto sentado numa mula e forçado a suportar as zombarias de seus
inimigos. Antipapistas eram
frequentemente eleitos pelos clãs romanos rivais e por homens da Igreja que
serviam o imperador germânico, que representavam a única ameaça maior à independência
do papado.
A região do Midi francês, centro
da heresia cátara, requereu a atenção do papa devido à simpatia dos
nobres locais ao credo herético. Porém, Lotário dei Conti de Segni
preferiu a diplomacia onde ela fosse aceita, enviando diversos legados à
região, com a missão de devolver os hereges à verdadeira fé. Entre os mais
ilustres pregadores enviados por Inocêncio III, encontra-se Domingos de Gusmão,
futuro São Domingos. O período de conversações termina com o assassinato do
legado papal Pedro de Castelnau, supostamente a mando do conde de
Tolouse Raimundo VI, em 14 de Janeiro de 1208,
dando início à Cruzada albigense, legitimada pela carta papal endereçada
à nobreza do norte da França. Para a análise de Inocêncio no meu trabalho
utilizei o clássico francês. Innocent
III la croisade des albigeois, de Achille Luchaire, escrito em 1911. Filipe Augusto é descrito
pela historiografia apenas pela sua disputa com os reis plantagenetas,
os quais derrotou em 1215. É
importante salientar que o projecto expansionista de Filipe possuía outra
frente de suma importância para o reino francês: uma saída para o Mediterrâneo.
A dificuldade para alcançar este objectivo estava no território do Languedoc
que se interpunha a Filipe. Os grandes feudos da região como Béziers, Carcassome
e Toulouse eram regidos por vassalos do rei de Aragão, Pedro II. Filipe encontrou
na Cruzada, a oportunidade de estabelecer a sua hegemonia sobre a região,
através da criação de laços de matrimónio entre as nobres locais com senhores
do norte, destruindo desta forma a unidade dos feudos, que fortaleciam a
região. Conforme as cidades eram conquistadas pelos cruzados, estes casamentos
foram estabelecidos. Após as guerras cátaras,
a antiga identidade do sul praticamente desapareceu, sendo toda a região do
Midi sujeita a Paris, concretizando assim, o projecto de Filipe Augusto. O
projecto expansionista do rei francês está descrito na obra de Stephen O´Shea,
intitulada, A heresia perfeita: A vida e a
morte revolucionária dos cátaros na Idade Média, uma das
referências no desenvolvimento do trabalho». In Eduardo Luís Medeiros, Simon de
Montfort, A figura do Vassalo Perfeito, História
Albigeoise, Pierre des Vaux de Cernay, Ciências Humanas, Letras e Artes,
UF do Paraná, Curitiba, 2006.
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