A unicidade da história
«(…) Donde, logicamente,
organizacionalmente, deveríamos ter baseado as nossas chamadas disciplinas numa
disciplina única, a que, por mim, chamaria ciências
sociais históricas ou historizadas. Magalhães Godinho indica-nos
este caminho ao longo de todas as suas discussões sobre a crise da história.
Ouçam a sua argumentação:
Ao longo do Cinquecento, as economias não
caminharam todas ao mesmo ritmo […] a desgraça de uns era a boa fortuna dos
outros […]. Que tais desequilíbrios sejam muitas vezes de origem
extra-económica, no sentido estrito ou, melhor, académico que a economia pura dá a este adjectivo, muito bem. Está
por fazer, começa a fazer-se, uma teoria do técnico, as inovações estão à cabeça da teoria económica
de Schumpeter. Está por fazer a psicologia histórica, quem está a servir de
parteiro é Lucien Febvre. Mas a necessidade de teorização impõe-se em todos os
domínios e no conjunto dos domínios como um todo. A história não pode deixar de
continuar a absorver mais teoria. Mas tem de entender-se o real e, portanto, as
suas transformações, o devir; a única forma de, por sua vez, o conseguir é
através da historização das teorias, da tecnologia, da psicologia, da
sociologia e, porque não, da própria economia. (Godinho, 1971)
Este programa, enunciado
em 1951, não foi ainda realizado
pela grande maioria dos analistas mundiais. Sem dúvida que, aqui e ali, houve muitos
esforços mas, mesmo se admirados, eles não são amplamente seguidos.
O passado relativiza-se no presente
Há todo um mundo a desbravar, desde que quem estude o passado não
esqueça o presente e saiba sacrificar ao espírito crítico quer os interesses
apaixonados que tudo deturpam porque demasiado exclusivos, quer o cómodo abandono
de selecção que nada permite explicar porque tudo confunde. (Godinho,
1971)
Entre todos os temas,
considero este o mais importante e o mais radical. As guerras culturais que
irrompem quando se utiliza o verbo relativizar! E que afronta à suposta
distância imparcial do historiador quando se insiste no facto de que a história
é, de facto, uma descrição do presente e não o texto de um passado à moda de
Ranke, o passado tal como era realmente. O presente, como se sabe, é o mais
evanescente dos fenómenos, terminado antes que possa captar-se. Quando um
historiador insiste, como tem a obrigação de fazer, junto de outros cientistas
sociais, em que é necessário historizar as análises deles, que são demasiado ou
exclusivamente presentistas
ele não está a falar, ou pelo menos, não deveria estar, em acrescentar uma
cronologia dos acontecimentos ao seu texto. No que ele insiste é em que o
presente incorpora o passado, que o passado faz parte integral do presente,
e que ele tem de ter isso em conta, não deve pressupor que a fácil teorização
do presente se aplica eternamente. Mas, ao mesmo tempo, Magalhães Godinho
fala aos historiadores que abandonam a
selecção com facilidade porque, assim confundindo tudo, não explicam
nada. Há, pois, um caminho estreito a seguir, nem a distorção que as paixões do presente implicam nem a sedutora
retirada das paixões do presente que nos cercam, nos formam e nos determinam
largamente. É preciso ser intelectual, o que é uma tarefa muito mais difícil do
que ser um erudito pedante. Um intelectual é sempre e necessariamente um
intelectual
público, mesmo, ou até sobretudo, quando o nega. A negação,
quando não a hipocrisia, é de bom tom em muito lado». In Immanuel Wallerstein, A descoberta da economia-mundo, Comunicação
ao colóquio Le Portugal et le Monde; Lectures de l’Oeuvre de Vitorino Magalhães
Godinho, Paris, 2003, Revista Crítica
de Ciências Sociais, nº 69, 2004.
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