Resumo
O presente texto pretende patentear a
vertente mais empenhada da produção escrita da autoria da espanhola Emilia Pardo Bazán (1851-1921). Deixando de lado a faceta
mais conhecida desta autora galega, a de romancista, analisar-se-á aqui a sua inserção
nas várias vagas do feminismo, bem como a forma com que se envolve na luta pelos
direitos das mulheres a partir quer do que escreve para a imprensa periódica,
quer das personagens femininas que delineia nos seus contos e do modo como a
voz narradora se compromete com elas.
O feminismo em Pardo Bazán e as reivindicações da autora
«A luta pelos direitos
das mulheres é um aspecto incontornável do trabalho da autora galega Emilia Pardo Bazán. A presente reflexão
analítica ancora-se justamente nesta característica mais reivindicativa e
interventiva da autora, que assumiu com grande determinação as lutas
feministas, e para as quais contribuíram em larga escala quer as suas
experiências pessoais, quer o seu cosmopolitismo. De facto, o conhecimento dos movimentos
reivindicativos de mulheres resulta em larga medida das suas viagens (essencialmente
a França, mas também Alemanha, Itália, entre outros países) e das leituras que
faz de obras estrangeiras, bem como do contexto familiar, designadamente a sua
relação com o seu pai, o conde José María Pardo-Bazán y Mosquera, e com Giner de
los Rios, amigo da família e destacado filósofo e pedagogo espanhol, que
defendia o reconhecimento da igualdade entre homens e mulheres.
Destacada romancista do
período do Naturalismo e do Realismo, Emilia experimentou também outras formas de escrita, que serão alvo
de análise neste texto. Pretende-se assim evidenciar como Pardo Bazán colocou o seu trabalho ao serviço da questão das
mulheres, como era por ela designada, nomeadamente em contos e também em textos
que publicava na imprensa periódica, quer nacional quer internacional. Porém,
para se compreender melhor o conceito de feminismo, ou feminismos, será
necessária uma rápida abordagem ao conceito, aos contextos em que surge e em que
se desenvolve, e clarificar em que medida se pode ligar a autora em questão ao feminismo.
Ora, uma excelente definição do que é o feminismo, sem que nunca apareça a
palavra mulher, é a que é feita pela filósofa feminista espanhola, Amelia
Valcárcel, e que diz o seguinte:
O Feminismo é a tradição
política da modernidade, igualitária e democrática, que mantém que nenhum
indivíduo da espécie humana deve ser excluído de nenhum bem e de nenhum direito
devido ao seu sexo. Feminismo é pensar normativamente como se o sexo não
existisse. Portanto o feminismo não é um machismo ao contrário mas algo muito
diferente: uma das tradições políticas fortes igualitárias da modernidade,
provavelmente a mais difícil também, posto que se opõe à hierarquia mais
ancestral de todas. (2004)
Assim, o feminismo é um
movimento que se bate pela igualdade entre os sexos e exige a abolição de todos
os tipos de hierarquização e subalternização que foram impostos à mulher,
durante séculos. Olhando para trás e para o início da consciencialização das
mulheres, ou melhor, para o início do seu despertar para a necessidade de mudar
a sua condição, é actualmente possível dividir o feminismo em três vagas de
acordo com a época em que se dão e as reivindicações principais que marcam cada
uma dessas vagas. Assim, a primeira vaga, que Amelia Valcárcel designa
por Iluminista, e que começa com a Revolução Francesa e vai até
1840 / 1850, com a Declaração de Séneca Falls, (em 1848, nos EUA, um grupo de várias mulheres e homens
juntaram-se em Séneca Falls, perto de Nova Iorque, para assinar uma declaração
que pretendia alcançar a cidadania para as mulheres e a modificação dos
costumes e da moral exigidos às mulheres. O documento ficou conhecido como Declaração
de Séneca Falls e viria a ser o primeiro documento de reivindicação do
sufrágio feminino, in Valcárcel, 2004, nos
Estados Unidos, é caracterizada pelo reconhecimento da igualdade de
inteligência e pelo direito à educação. De facto, é aí que tudo começa. Antes
de qualquer outra reivindicação, as mulheres tiveram de exigir que lhes fosse
reconhecida a capacidade intelectual, num mundo dominado por homens, onde se
via a mulher como ser intelectualmente inferior e como se essa inferioridade
fosse algo de inato, e não o resultado da falta de instrução.
Ainda na esteira de Valcárcel, a segunda vaga é a chamada Liberal-Sufragista. Começa em
meados do século XIX, com a Declaração de Séneca Falls já
referida, e vai até ao fim da II Guerra Mundial, sensivelmente. Esta vaga vai
reivindicar, por um lado, os direitos educativos, pois, embora a educação
estivesse assegurada, ela era feita de um modo distinto da educação masculina
e, para além disso, o acesso às instituições de ensino superior era vedado, ou
muito dificultado, às mulheres. Por outro lado, e como aquela declaração já
deixava claro, trata-se agora de uma luta pelo direito civil e político do
voto, pelo que, em vários países, se organizaram movimentos sufragistas no
sentido de reivindicar esse direito para as mulheres, o que foi sendo conseguido
gradualmente e, em alguns países, bem depois do fim da II Guerra Mundial. Por
fim, conseguida a aceitação da igualdade intelectual entre homens e mulheres, o
direito a uma educação igualitária e ao ensino superior, bem como a profissões
a que antes não tinham direito a aceder, e ainda o direito ao voto, as reivindicações
serão agora de ordem distinta, pois a igualdade tão ansiada ainda não é uma
realidade. Assim surge a terceira vaga, o
feminismo de sessenta-e-oito, (o nome é uma clara referência às
manifestações em França, em Maio de 1968,
e ao que elas também representaram para as mulheres, ou seja, o despertar para
uma nova necessidade de intervenção e de reivindicação daquilo que não estava
ainda sedimentado na sociedade) segundo Valcárcel.
Esta última vaga, que se mantém até aos nossos dias, é a do feminismo
contemporâneo e faz uma reivindicação dos direitos civis e reprodutivos, de
modo a garantir que a mulher possa escolher se quer ou não ser mãe. Reivindica
também a paridade política e profissional e o reconhecimento do lugar das
mulheres num mundo globalizado. Trata-se aqui de alguns direitos que vão sendo
conseguidos, de forma gradual em diferentes países, e de outros ainda em
discussão aberta».
In Luciana Moreira Silva, Emilia Pardo Bazán e o Feminismo, Tema na
Viragem do século XIX, Centro de Estudos Sociais, Laboratório Associado,
Universidade de Coimbra, oficina 404, 2013, ISSN 2182-7966.
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