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António Fernandes. O aventureiro na rota do ouro
africano
«(…) No caminho de retorno não se esqueceria, contudo, de memorizar
todos os factos que pareceram de interesse; assim, e por exemplo, anotou a
produção de panos de algodão em Mozambia e em Mozimba, facto que viria
mais tarde a ser confirmado; o viajante pôde apurar que, pelo menos da última
localidade citada, esses panos eram em parte levados para os mercados do Monomotapa.
No decurso da segunda viagem, a actividade exploradora de Fernandes iniciou-se em Inhócua, como claramente se
depreende do texto redigido por Gaspar Veloso, mas encaminhou-se pelo reino
de Butua; obrigava-se a esse trajecto diversivo pela curiosidade de tomar contacto
com outras áreas de produção do ouro. O texto refere o reino de Quitengue,
considerado importante por ser um centro rico no procurado metal; existia
igualmente ouro em quantidades apreciáveis num reino contíguo, citado pelo nome
de Betonga, onde aliás podia ainda ser resgatado marfim em quantidades
apreciáveis.
Fernandes não se esquece de
informar, talvez por lhe parecer que seria essa a melhor via para o escoamento
do precioso metal, que o reino de Quitengue era atravessado por um
afluente do rio Save, embora ele o tenha suposto um curso de água subsidiário
do Cuama. Em sua opinião, numa pequena ilhota desse rio, que atravessava
Quitengue (ilhota cujo nome não mencionou), podiam os Portugueses construir
uma feitoria, que apoiasse o comércio do ouro e do marfim por via fluvial. O
explorador afirma que todo o ouro daquela terra, bem como o do Monomotapa,
não se encontrava para além de dez dias de viagem do referido ilhéu, o que não
era exacto para o caso do Monomotapa. Tal entreposto teria, a seu ver,
evidentes vantagens sobre a feitoria de Sofala, por ficar muito mais
próximo de centros produtores dos dois cobiçados produtos (o marfim e o ouro); desse modo seria mais fácil iludir a
interferência dos árabes, que tanto prejudicavam o trato de Sofala.
Incitavam-no a mandar estas opiniões para Lisboa alguns acontecimentos
recentes. Na verdade, embora o rei Manuel I houvesse decidido recentemente a
construção da fortaleza de Melinde, tinha, por outro lado, mandado
derrubar as de Socotorá, de Quíloa e de Angediva; parecia-lhe,
pois, que o mesmo devia fazer à de Sofala, não só porque isso iria ao
encontro da expectativa dos mouros, mas também porque, com a feitoria em Quitengue,
a tão curta distância do tráfico que interessava, a Coroa portuguesa podia
retirar claras vantagens comerciais. O depoimento prestado perante Gaspar
Veloso pelo degredado e aventureiro termina por estas palavras do feitor áe
Sofala: … e todas estas coisas tinha
António Fernandes em segredo, sem as cá dizer a ninguém, para as ele dizer a Vossa
Alteza. E porque ele torna a Monomotapa, e com risco de morrer, pelas muitas
guerras que há, lhe roguei que, se algumas notícias tinha guardadas para dizer
a Vossa Alteza de seu serviço, que mas dissesse para eu as escrever a Vossa Alteza,
por sempre me dizer que desejava de ir a Portugal para dizer a Vossa Alteza
coisas de seu serviço.
Por fim se vê que o intrépido explorador, não sabia
escrever; se o soubesse ele mesmo teria dirigido ao rei a história resumida das
suas aventuras, como tantos outros fizeram. Além disso, as palavras de Veloso
mostram que Fernandes se preparava
para continuar a devassar a África; era teimoso e insaciável!» In
Luís de Albuquerque, Navegadores, Viajantes, Aventureiros Portugueses, Séculos
XV e XVI, António Fernandes, Editorial Caminho, Lisboa, 1987.
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