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António Fernandes. O aventureiro na rota do ouro
africano
«(…) Nessa carta publicada por Axelson o alcaide-mor de Sofala, João
Vaz de Almada, que então exercia interinamente o cargo de capitão da respectiva
fortaleza, relata para Lisboa a chegada à fortaleza de uma embaixada do rei de Inhamunda,
área não muito distante; e diz que, na sequência dessa diligência, decidira mandar
lá [ao reino] um Francisco Cunha e um
João Escudeiro, criado de Manuel Góis, que está aqui desde o tempo de Pêro
Anhaia e sabe já a língua da terra e um António Fernandes, que é daquele tempo....
Por este trecho parece fora de dúvida que o primeiro explorador de vastas áreas
de Monomotapa
já há cerca de dez anos estava em Sofala, quando empreendeu a sua
primeira viagem, e certamente que não passara todo esse longo tempo ocioso. Se
ignoramos em absoluto as actividades a que se dedicou, é lícito ao menos
presumir que tivesse aprendido a língua local, como o passo de 1516 acima transcrito parece confirmar,
e com cuidado registasse os usos e costumes das populações; o seu inegável
poder de adaptação, que o salvara de apuros em Quíloa, como iá ficou
dito, deve ter sido posto à prova no decorrer desse decénio de presença em
vários lugares insalubres, e por vezes empenhado em actividades pouco
recomendáveis.
O ouro que afluía ao porto de Sofala, de imprecisas áreas dos
sertões africanos, seria seguramente mais rendoso se pudessem evitar-se os
intermediários, em número indeterminado, que oneravam o preço do metal precioso
de várias quantias, cuja totalidade de todo se desconhecia. Isso era evidente,
e assim, no decorrer daquele lapso de tempo, deve-se ter gerado por parte dos
Portugueses o audacioso plano de ir à procura dos centros produtores do metal
no interior africano, para verificar se era possível ter a eles um acesso
directo; e talvez desde a sua chegada a Sofala se pensasse que António Fernandes, arrojado, industrioso
e adaptável a meios adversos, fosse o homem mais indicado para tão difícil
missão. Mas não nos precipitemos; retomemos
antes a história deste aventureiro pelo princípio, seguindo os documentos
que a ele se referem e Hugh Tracy, transcreveu e usou. São eles: uma
carta assinada por Gaspar Veloso, que este feitor de Sofala dirigiu a Manuel I,
sem data mas provavelmente de 1516; e outra carta do já identificado João
Vaz de Almada, para o mesmo destinatário, que está datada de 25 de Junho de
1516.
No primeiro destes escritos Veloso parece apoiar-se no relato
verbal que Fernandes lhe terá feito
sobre as regiões por si visitadas em duas viagens sucessivas pelo interior do
continente africano. É um texto importantíssimo do ponto de vista da geografia
descritiva daquela área, e também sobre as rotas do escoamento do ouro até a
costa do Índico, muito embora seja um texto sucinto, na aparência um mero apanhado
do relato oral que Fernandes terá
feito. Tem por objectivo enumerar os
Reis que há de Sofala até a mina de Monomotapa, e as coisas que há em cada um
desses reinos. O fim que mais preocupa o redactor da história do
aventureiro é o aspecto comercial, pondo na exposição uma particular ênfase a
respeito dos reinos ou áreas em que se fazia qualquer tipo de extracção aurífera.
No entanto, a posição e o distanciamento relativo dos reinos referidos por Fernandes não são satisfatórios; ele deu
esses distanciamentos em dias de jornada, mas omite a orientação geográfica das
áreas referenciadas e vizinhas, e tão-pouco alude aos rodeios que muitas vezes
deve ter feito para passar de um reino para outro. Parece-nos necessário
ilustrar estas afirmações com extractos do relato que Fernandes ditou, por não saber escrever; eis os exemplos:
- Quando fala do rei de Mazira, diz: Outro rei que está além deste [alude ao rei de Micandira, que senhoreava terras limítrofes de Sofala] chama-se Rei de Mazira; não tem senão mantimentos, e está a duas jornadas deste outro acima dito [o de Micandira, por consequência];
- Ao referir-se ao reino de Embiri, afirma que ele se situava a quatro jornadas do reino anteriormente mencionado (o de Quitongue) e acrescenta: e não tem outra coisa senão andar ao salto, o que quer dizer que a sua população se dedicava à pilhagem das caravanas».
In Luís de Albuquerque, Navegadores, Viajantes,
Aventureiros Portugueses, Séculos XV e XVI, António Fernandes, Editorial
Caminho, Lisboa, 1987.
Cortesia de Caminho/JDACT