Foram, de facto, os Portugueses os primeiros a desbravar o Atlântico?
«A resposta à velha e sacramental pergunta se foram os Portugueses os primeiros, é, como para muitas
outras questões, um desconcertante não e sim. Não, se tomarmos a questão num sentido restrito, pressupondo de
alguma forma que nunca ninguém teria navegado nas águas do oceano ou procedido
a tentativas de exploração antes das viagens promovidas pelo infante Henrique; sim, se a entendermos num sentido mais
lato, não apenas no que respeita a dados históricos seguros e fiáveis, mais do
que suspeitas ou indícios, mas, e sobretudo, a consequências duráveis, impacto e
continuidade.
Por outras palavras, se os Portugueses tiveram precursores na exploração
do Atlântico, não passaram de tentativas fracassadas, efémeras ou
inconsequentes e que caíram no esquecimento. Tal como uma obra é inútil se
ficar guardada numa gaveta e não for conhecida por ninguém, uma viagem, por
mais ousada e bem-sucedida que seja, não tem qualquer relevância histórica se
dela nada resultar, quer do ponto de vista prático, quer na divulgação do
conhecimento. Isto aplica-se a inúmeros casos, alguns dos quais já fizeram
correr rios de tinta, desde o descobrimento da América ao da Austrália. A
verdade, no caso presente, é que, na primeira metade do século XV, nada se
sabia em concreto na Europa acerca das condições naturais do Atlântico, da
existência do continente americano ou do prolongamento de África para sul, com
ligação ao oceano Índico; apenas dados confusos ou incompletos, lendas,
fragmentos de relatos em obras clássicas e referências incorrectas em mapas. A
única excepção diz respeito ao arquipélago das Canárias, e, em menor grau, aos
da Madeira e dos Açores, e, ainda assim, no caso destes últimos, envoltos em brumas
lendárias que tornam muito difícil discernir o mito da realidade.
É preciso relembrar que o Mediterrâneo era o centro de todo o mundo
antigo (e da Europa medieval, já agora) e, por consequência, constituía
o ambiente normal e natural em que se moviam navegantes e mercadores. Para
oeste, para lá das colunas de Hércules, ou seja, do estreito de Gibraltar,
estendia-se um vasto oceano que, além de imenso e desconhecido, possuía
condições naturais, ventos, marés, correntes, agrestes e bem mais traiçoeiras
do que as do lago mediterrânico.
Desde há muito que circulavam histórias e lendas sobre as condições pouco
acolhedoras do oceano. A lenda da Atlântida, divulgada por Platão, dava conta
de um terrível cataclismo que teria engolido um continente inteiro e que
tornara toda aquela zona intransitável
e imperscrutável.
Corriam também rumores sobre a existência de ilhas mais ou menos
brumosas no meio da vastidão oceânica, sempre associadas a lendas e encantos:
as Ilhas Afortunadas, descritas pelo poeta grego Hesíodo; Avalon,
da saga do rei Artur; Antília ou Ilha das Sete Cidades, para onde
teriam fugido os bispos cristãos quando os Árabes dominaram a Península Ibérica,
e cujo encanto impedia que fosse descoberta antes da derrota e expulsão dos
infiéis; por fim, a ilha paradisíaca de S. Brandão, onde este monge
irlandês e os seus companheiros teriam desembarcado após uma longa jornada
cheia de peripécias e de encontro com animais fabulosos. Estas ilhas aparecem na
cartografia medieval algures no meio do oceano. Identificar qualquer uma delas
como os Açores ou a Madeira, uma vez que é certo que as Canárias eram
conhecidas desde a Antiguidade, é um exercício tentador mas pouco seguro.
Lendas à parte, existem de facto informações e indícios sobre explorações
atlânticas antes das viagens portuguesas do século XV. As mais remotas
referem-se a colónias fenícias na costa africana e a alegadas viagens gregas e
cartaginesas no Atlântico, que ecoam, de forma fragmentária e pouco clara, em
algumas obras de cronistas e geógrafos da Antiguidade. Um dos nomes mais
importantes é o de Hainão, Hanno,
explorador cartaginês que, por volta do ano 500
a. C., terá supostamente comandado uma frota de dezenas de navios e
fundado diversas colónias ao longo da costa africana. O limite da sua viagem é
ainda motivo de controvérsia e, embora alguns autores defendam que terá chegado
ao golfo da Guiné, subsistem muitas dúvidas devido a diversas incongruências
dos dados disponíveis e às dificuldades de identificação dos locais.
Sensivelmente pela mesma altura, é possível que o grego Eutímenes
tenha igualmente largado da actual Marselha (então uma colónia grega),
passado o estreito e atingido as mesmas paragens. Dois séculos depois, um outro
grego, originário da mesma cidade, chamado Píteas, terá deixado o
Mediterrâneo e explorado o Atlântico Norte, passando pela costa portuguesa e
seguindo até às Ilhas Britânicas e daí talvez até ao Báltico». In
Paulo Jorge Sousa Pinto, Os Portugueses Descobriram a Austrália? Porque foi
Conquistada Ceuta? O arranque dos Descobrimentos, A Esfera dos Livros, Lisboa,
2013, ISBN 978-989-626-498-7.
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