sexta-feira, 4 de abril de 2014

Portugal e a China. A Malograda Embaixada de Tomé Pires a Pequim. Rui Manuel Loureiro. «… o relatório oriundo da metrópole meridional sugeria ao imperador que não recebesse a missão chefiada por Tomé Pires, pois os nossos, sob disfarce de embaixada legítima, vinham apenas espiar as terras com titulo de mercadores, para depois as ocuparem»

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A Malograda Embaixada de Tomé Pires a Pequim
«(…) Tal como o próprio Cristóvão Vieira reconhece, des que a terra da China hé terra, o rígido protocolo chinês não permitia que o imperador se avistasse com estrangeiros (Cartas). Por isso mesmo, os documentos que relatam o encontro entre Tomé Pires e Zhengde em Nanquim têm causado alguma perplexidade, pois apresentam uma versão dos factos totalmente em desacordo com os tradicionais hábitos diplomáticos chineses. Se aceitarmos o testemunho dos documentos citados, e não existe qualquer razão para não o fazermos, apenas duas explicações são possíveis. Ou Tomé Pires e os seus companheiros se avistaram com qualquer alto funcionário chinês, a quem confundiram com o imperador, e valerá a pena lembrar que Gaspar Correia menciona, a determinado passo das suas crónicas, a morte do Rey da China que folgou com nosso embaixador, ou Zhengde, quebrando todos os protocolos, se encontrou repetidamente com os estrangeiros. O temperamento independente e rebelde do imperador, que se manifestou em muitas outras circunstâncias durante o seu reinado, contribui para dar algum crédito a esta última alternativa. De qualquer modo, o soberano chinês ordenou que a embaixada seguisse para Pequim, onde seria formalmente recebida, pelo que os portugueses continuaram viagem em direcção a norte, seguindo pela rede de canais interiores, atingindo a capital imperial em data incerta, talvez em finais de 1520. O imperador chinês partira de Nanquim na mesma altura que a embaixada, mas detivera-se numa pequena cidade dos arredores de Pequim, onde assistiu à execução do príncipe revoltoso: … esteve julgando hum seu parente que se alevantou contra elle, e o mandou queimar depois de emforcado (Cartas).
Durante a sua estada nesta pequena localidade, Zhengde recebeu vários memorandos sobre os portugueses, que são resumidos por Cristóvão Vieira. O companheiro do embaixador não explicita o modo como obteve estas informações, mas é provável que, durante encontros posteriormente mantidos com funcionários chineses, algo transpirasse sobre o conteúdo dos relatórios remetidos ao Filho do Céu. Um dos memorandos tinha sido enviado de Cantão e dizia respeito ao comportamento abusivo adoptado pelas gentes franges da expedição de Simão Andrade. Os funcionários cantonenses descreviam todas as arbitrariedades cometidas pelos portugueses, desde a recusa de pagarem direitos alfandegários até à construção não autorizada de uma fortaleza, passando pela agressão a um mandarim e pelo rapto de crianças (Cartas). Como conclusão, o relatório oriundo da metrópole meridional sugeria ao imperador que não recebesse a missão chefiada por Tomé Pires, pois os nossos, sob disfarce de embaixada legítima, vinham apenas espiar as terras com titulo de mercadores, para depois as ocuparem (Barros). Um outro memorial de idêntico teor fora enviado de Pequim ao imperador, reforçando as acusações contra os estrangeiros. Um terceiro memorando que chegara às mãos de Zhengde tinha sido despachado pelo antigo sultão de Malaca, por intermédio do seu embaixador Tuan Mahamed, que chegara a Nanquim pouco antes de Tomé Pires. Alegando a sua condição formal de tributário do Celeste Império, o soberano malaio solicitava ajuda contra a ocupação portuguesa do seu estado: Os franges, ladrões com coração grande, vierão a Malaca com muita gente e tomarão a terra e a destroirão, e matarão muita gente e a roubarão, e outra cativarão. Ao mesmo tempo, tentava lançar o descrédito sobre a embaixada lusitana, alegando que Tomé Pires falsamente era vindo a terra da China pera enganar e que os portugueses eram ladrões encapotados, que vinham tentar ocupar o território chinês, tal como anteriormente tinham conquistado Malaca (Cartas).O emissário do antigo sultão não conseguira ser recebido pelo soberano chinês em Nanquim, pelo que partira também para a capital.
Ao que parece, o imperador Ming, depois de ser devidamente informado sobre as actividades dos portugueses, adoptou uma posição conciliadora, atribuindo os conflitos surgidos em Cantão, com a frota de Simão Andrade, ao facto de os estrangeiros desconhecerem os costumes chineses: … esta gente não sabem nossos custumes, manso os irão sabendo (Cartas). Mas, como se verificaria mais tarde, nem todos os altos mandarins pequinenses partilhavam esta opinião. O funcionalismo chinês regia-se por uma rígida ética confuciana, que colocava em primeiro lugar a estabilidade governativa e administrativa. Qualquer ruptura da ordem estabelecida era, portanto, encarada pelos mandarins da capital com as maiores reservas. A chegada dos portugueses a Cantão tinha introduzido um elemento de perturbação no tradicional sistema de relações externas do Celeste Império. Por isso, a embaixada de Tomé Pires era hostilizada por muitos funcionários imperiais da capital, mais preocupados com a manutenção da ordem estabelecida do que com o eventual benefício económico que os estrangeiros trariam às províncias meridionais». In Rui Manuel Loureiro, A Malograda Embaixada de Tomé Pires a Pequim, Portugal e a China, Conferências, Séculos XVI-XIX, Coordenação de Jorge Santos Alves, Fundação Oriente, Lisboa, 1997-1998, ISBN 972-9440-92-1.

Em memória do Fernando José. Que estejas em paz.

Cortesia de FOriente/JDACT