O assalto a Beja
«(…) Ao abrigo da escuridão nocturna, os combatentes portugueses terão,
pois, penetrado furtivamente no sistema defensivo da urbe, surpreendendo a
guarnição local, que mal terá tido tempo para esboçar uma reacção. Em poucas
horas a velha cidade convertia-se na mais meridional das praças-fortes dominadas
por Afonso Henriques, o pérfido galego, senhor de Coimbra, o
maldito de Deus, como lhe chama o cronista Ibn Sahib al-Sala,
que relata este episódio. Porém, nos objectivos do rei, que certamente terá participado
no planeamento da expedição, não estaria a submissão definitiva de um local tão
afastado da fronteira. Dominá-lo sim, mas apenas de forma temporária, ou seja,
enquanto pudesse ser usado como base de operações para as razias lançadas contra
o território circundante. Com efeito, durante cerca de quatro meses, ou seja,
ao longo do Inverno e das primeiras semanas da Primavera seguinte, os
conquistadores permaneceram no local, utilizando-o como centro operacional para
a devastação sistemática de toda a região. Porém, isolada e demasiado afastada
das principais fortalezas dominadas pelos portugueses, seria apenas uma questão
de tempo até que Beja voltasse a ser controlada pelos muçulmanos. Assim, logo
que as condições meteorológicas o permitiram e sem que isso constituísse uma
qualquer surpresa para os que haviam participado na expedição, a cidade é
reduzida a ruínas e abandonada.
É precisamente em alguns dos textos que relatam a conquista de Beja que
parecem surgir, ainda que apenas nas entrelinhas, as primeiras referências a Geraldo
Geraldes. De facto, a descrição que o cronista Ibn Sahib al-Sala
faz das tácticas usadas pel’O Sem-Pavor
para conquistar boa parte das fortalezas que, mais tarde, conseguiu dominar
antecede, quase que em jeito de introdução para o que se segue, a notícia
relativa à tomada de Beja. É
precisamente esta sequência narrativa que tem levado a maior parte dos
estudiosos a aventar, ainda que com algumas reservas, a possibilidade de Geraldo ter participado nessa operação,
conduzida, tudo o indica, de acordo com aquele que viria a tornar-se o seu modus operandi, o que parece reforçar
ainda mais essa hipótese. Diz-nos aquele cronista que o pensamento constante de Geraldo
era tomar por surpresa as cidades e os castelos só com a sua gente: ele tinha
os muçulmanos da fronteira sob o terror das suas armas. Procedia assim: avançava
sem ser apercebido na noite chuvosa, escura, tenebrosa e, insensível ao vento e
à neve, ia contra as cidades inimigas. Para isso levava escadas de madeira de
grande comprimento, de modo que com elas subisse acima das muralhas da cidade
que procurava surpreender; e quando a vigia muçulmana dormia, encostava as
escadas à muralha e era o primeiro a subir ao castelo e, empolgando o vigia,
dizia-lhe: Grita como tens por costume de noite, que não há novidade. E
então os seus homens de armas subiam acima dos muros da cidade, davam na sua
língua um grito imenso e, execrando, penetravam na cidade, matavam quantos
moradores encontravam, despojavam-nos, e levavam todos os cativos e presas que
estavam nela.
Rápido, eficaz e sem que para isso fosse necessária a mobilização de
grandes meios humanos ou logísticos. Claro está que este método não era um
exclusivo de Geraldo, tendo sido já
posto em prática noutras ocasiões, como, por exemplo, em 1147, contra Santarém. Nesse sentido, a circunstância de ter sido
usado na conquista de Beja não é necessariamente uma prova da participação do
caudilho na expedição de 1162. Ainda
assim, as dúvidas e as incertezas persistem. Porém, é depois desta data que as
fontes narrativas começam a fornecer-nos informações realmente seguras a
respeito das suas acções armadas.
Os primeiros sucessos
E será de acordo com o método descrito por Ibn Sahib al-Sala que,
ao comando do seu exército privado, O
Sem-Pavor logrará apossar-se, num curto espaço de tempo, de um impressionante
conjunto de fortalezas situadas a leste
do eixo Évora-Beja e em torno de Badajoz, ao longo de ambas as margens
do Guadiana. E inicia essa sequência de triunfos com o imponente castelo de Trujillo, conquistado
no dia 15 de Abril de 1165 através
de uma operação furtiva conduzida, como viria a tornar-se habitual, durante a
noite. Todavia, se porventura o inimigo esperava que a ofensiva tivesse
sequência naquela mesma região, rapidamente percebeu que estava errado, quando,
em Setembro desse mesmo ano, foi surpreendido pela notícia do bem sucedido
assalto a Évora, o segundo mais importante núcleo urbano da província muçulmana
de Badajoz. O choque, entre os comandantes militares do al-Andalus, deve ter sido enorme». In Miguel Gomes Martins,
Guerreiros Medievais Portugueses, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2013, ISBN
978-989-626-486-4.
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