O Príncipe (1798-1822)
«(…) Como o regente João não alterasse em tempo útil, e
de facto, a sua posição em relação à Inglaterra, depois de Napoleão, desde 1804 imperador dos Franceses, ter
decretado o Bloqueio Continental, em fins de Outubro de 1807, surge o tratado de
Fontainbleau, celebrado entre a França e a Espanha. Portugal e os seus
domínios foram divididos entre as nações signatárias, decidindo-se a conquista
do nosso país por um exército franco-espanhol que não tardou a marchar sob o
comando do general Junot. Em matéria de partilhas, ao valido espanhol Manuel Godoy, príncipe da Paz, cabia o principado
dos Algarves, que também compreendia o Alentejo; o Entre Douro e Minho, ou reino da Lusitânia Setentrional, ficava para
o rei da Etrúria, e sobre a propriedade do restante território decidir-se-ia ulteriormente, enquanto ao
monarca castelhano cabia o império das duas Américas (a espanhola e também
a portuguesa). O regente dilatara por tempo indefinido a tomada de uma atitude clara
e, à cautela, prepara antes a ida do príncipe Pedro para o Brasil, com o título de condestável do reino, a fim de
resguardar a vigência da dinastia e a independência de Portugal. Em princípios de
Outubro chegou a ser ultimada uma proclamação onde se anunciava aos Brasileiros
tal evento, muito polémico, que preludiava a transferência da família real para
o Rio, caso ocorresse, de facto, a invasão do território nacional.
Não obstante à última hora determinar a expulsão dos ingleses e o
confisco dos seus bens em Portugal, o regente não deixou de negociar, em
Londres, a transferência da corte para o Brasil, comboiado por naves de guerra
do rei inglês. Tal facto tornou-se inevitável quando os franceses franquearam a
raia portuguesa ao findar o mês de Novembro de 1807 e permitiu a entrada em Lisboa dos soldados invasores de Junot,
movimento a partir do Tratado de Fontainbleau, na mesma altura em que a
esquadra anglo-lusa começava a singrar no Atlântico, rumo ao Brasil, levando a
bordo a família real portuguesa. E o embarque no cais de Lisboa determinou
impressões indeléveis entre os que lá estiveram, a começar por Pedro,
tal a precipitação do acto e a sua singularidade na história das monarquias
europeias. Com a conquista de Portugal, Napoleão reforça o bloqueio continental
e preserva a ocidente o dispositivo militar que estava a engastar na Península.
Por sua vez, os exportadores gauleses estabelecidos no reino acalentam a
esperança de tirar partido da situação, substituindo os seus rivais ingleses,
enquanto os industriais da França contam com as vantagens decorrentes do
controlo de uma área de entrada de artigos britânicos de contrabando destinados
aos mercados da Espanha e de outros países. De par, supõe Albert Silbert, a lógica rigorosa de um sistema
continental, que não é puramente económico, levara Napoleão a nele integrar um
país na aparência tão fácil de conquistar. Além de que Portugal passaria
a constituir um refém a utilizar em negociações, outrossim resultando da sua ocupação
e perda pela Inglaterra de bases de abastecimento
e de conservação que facilitavam grandemente as manobras da sua frota.
E é de admitir, com bom fundamento, que a atracção das riquezas coloniais
portuguesas tenha seduzido o imperador, bem como a esperança de conquistar a
armada lusitana, que de utilidade seria nos confrontos navais com a Inglaterra.
Após o estabelecimento dos franceses no país, à conhecida divisão dos círculos
dirigentes de Portugal entre os fiéis a Inglaterra e os que ansiavam pelo fim
da tutela britânica, olhando com simpatia a integração na esfera de influência
de França, sucedeu uma notória e alargada fragmentação da opinião, no seio da
qual emergiram cinco tendências principais. À primeira pertenciam os
defensores encomiásticos da mudança da corte para o Brasil, pois impedia os
franceses de melhorarem o seu poderio naval e de alcançarem o direito ao
controlo das colónias portuguesas. Compunham a segunda os críticos da
incapacidade manifestada pelo governo na procura de uma solução para a crise
que a previsível incidência da Revolução Francesa em Portugal com certeza
desencadearia. Na terceira, agrupavam-se os que na fuga para o Rio
divisavam uma manobra da Inglaterra, lesiva dos interesses ultramarinos do
País, cuja riqueza ela desejava sugar directamente. Figuravam na quarta
tendência os adeptos míopes da teoria segundo a qual a invasão resultava de
maquinações de um estadista pró-francês que se deixara subornar por Paris.
Enfim, congregavam-se na quinta facção os que, notando as insuficiências
da situação, descriam da capacidade executiva do príncipe regente, sonhando com
a regeneração governativa ou com a criação de um Estado constitucional, a
emergir de um processo de purgação colectiva». In Luís Oliveira Ramos, D. Pedro,
Imperador e Rei, Experiências de um Príncipe (1798-1834), Imprensa
Nacional-Casa da Moeda, Temas Portugueses, Lisboa, 2007, ISBN
978-972-27-1428-0.
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