23 de Abril de 1902. Géneros
portuguezes negociáveis
«(…) A cortiça é aqui
muito procurada para diferentes industrias, incluindo a de artigos de navegação;
havendo importantes fabricas de cerveja e de aguas mineraes, das quaes se faz
grande consumo, e fabricando-se também muitos medicamentos, que reclamam
frascos rolhados, comprehende-se que as rolhas constituam também um producto de
importância muito notavel; cortiça e rolhas téem vindo acaso excepcionalmente de
Portugal, sendo as firmas estrangeiras do Japão que mandam vir o género da Allemanha,
da França, da Inglaterra, etc, embora em muitos casos elle provenha originariamente
da nossa terra. Aviso aos negociantes portuguezes de cortiça.
Deveria experimentar-se
o commercio das nossas conservas, exclusivamente representadas no Japão por
algumas latas de sardinhas, e estas apenas nas lojas chinezas, que as
importaram não se sabe como, de Macau?
de Hong-Kong? Em Yokohama, em
Kobe, em Nagasaki, abundam conservas europeias e americanas, de fructas, de
vegetaes, etc.; se os fabricantes portuguezes não forem muito exigentes em
preços, de modo que os nossos artigos possam competir com os estrangeiros,
devem aqui ser bem recebidos. Porque não tentam os negociantes portuguezes de
Macau e de Hong-Kong a introdução no Japão do excellente café de Timor, em vez de
deixal-o ir para Macassar e outros pontos das colónias hollandezas, onde
perde o nome e as qualidades, pois
passa a ser misturado a cafés inferiores? A resposta é bem simples: porque
não querem. Pois, deveriam querer, compenetrando-se de que, na época
actual, o bem estar individual e da familia, e, consequentemente, da pátria, só
se alcança á custa de trabalho perseverante e de lucta de competições. Confiar
na boa fortuna de um bilhete de loteria premiado, ou na benevolência de Deus (que
ha muito se deixou de proteger indolencias), é mau negocio. Os commerciantes do
reino poderiam tentar a introducção do café africano, bem como de outros
artigos coloniaes; poderiam e deveriam.
16 de Maio de 1902
Indiquei, na minha correspondência
anterior, quaes os artigos portuguezes que julgo poderão ser melhor recebidos no
mercado do Japão, no intuito de estreitar as relações de commercio directo entre
os dois paizes. Tratarei hoje dos artigos japonezes, que mais bem acceitos podem
ser em Portugal; mas a tarefa é mais difficil, pela variedade dos productos, e a
escolha só poderá ser feita, com boas probabilidades de êxito, quando os nossos
negociantes adquiram no Japão correspondentes muito zelosos e pacientes, ou, o que
melhor será, quando aqui venham portuguezes, commissionados pelas firmas mercantis
portuguezas, afim de estudarem attentamente o assumpto, o que me parece valer bem
a pena. Julgo que o arroz japonez (um dos melhores do mundo), a cera vegetal (substituindo
a stearina e productos análogos), a camphora, etc, poderão vantajosamente ser
importados no nosso mercado.
Com referencia aos artigos
da industria indigena, direi que uma grande variedade d’elles, recommendaveis pela
sua barateza, pelo bom gosto do fabrico, pela novidade que constituiriam nos centros
portuguezes de consumo, devem ser introduzidos em Portugal. No numero d’esses artefactos
devem especialmente citar-se as esteiras, a palha em trança, as fazendas de seda,
o crepe de seda, o crepe de algodão, os leques e ventarolas (que agora
chegara ahi por intermédio da Hespanha), os objectos de porcellana e de charão,
os álbuns, as photographias, o papel, os brinquedos, as quinquilharias, uma lista
interminável de deliciosas bugigangas, caracterizadas pela fina feição artística
que este povo de artistas sabe imprimir a todos os objectos da sua industria, por
mais communs e baixos em preço que elles sejam.
Já vêem, por esta
ligeiríssima resenha, que a difficuldade está na escolha, tornando-se evidente quanto
util seria para o nosso commercio que algum negociante portuguez se desse á
empreza de vir ao Japão vêr pelos seus olhos, fazer a sua selecção e adquirir relações
commerciaes, que mais tarde muitas vantagens lhe dariam. Offerece-se em breve occasião
excepcionalmente favorável para pôr em prática tal intento : a exposição de
Osaka. Ouso convidar insistentemente esse alguem susceptivel do capricho de
dar um pontapé na rotina e de tentar um mercado novo; sobretudo, com a coragem bastante,
pouco vulgar em portuguezes de hoje, de agarrar n’uma mala, de dizer adeus, por
seis mezes, á familia e de vir dissipar spleens em paizagens exóticas e
distantes ; ouso convidar esse alguem, se existe, a vir ao Japão, na
Primavera próxima». In Wenceslau de Moraes, Cartas do Japão, Antes da Guerra (1902-1904),
prefácio de Bento Carqueja, Livraria Magalhães & Moniz, Editora, Oficinas
do Comércio do Porto, Porto, 1904.
Cortesia de L.
Moniz/JDACT