domingo, 8 de junho de 2014

Pedro IV. Imperador e Rei. Experiências de um Príncipe. Luís Oliveira Ramos. «De acordo com as investigações de Manuel Ivo Cruz, avultam os futuros hinos do Brasil e de Portugal, principalmente o nosso ‘Hino da Carta’, assim como um ‘Te Deum’ e uma sinfonia…»

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O Príncipe (1798-1822)
«(…) Na assinatura do Tratado de Incorporação da Cisplatina, em Montevideu, em 31 de Julho de 1821, participaram os delegados locais da República Argentina e de Portugal. Em 1818, vivem no Brasil, onde sediava a efectiva capital do velho Portugal, 3 617 900, dos quais 1 930 000 seriam escravos; os negros eram 1 887 500, os mestiços 628 000 e os índios domesticados 259 400, esclarece Afrânio Peixoto com base num censo aproximativo. Em Portugal, acontece, em Junho de 1808, a derrota de Junot, comandante em chefe da I Invasão Francesa, general cujos exércitos, ao descerem o vale do Tejo, forçam a transferência da corte para o Rio de Janeiro e, desde Lisboa, instalam o domínio francês em Portugal; na II Invasão, dá-se a ocupação do Norte pelo marechal Soult, que permanece poucos meses no Porto antes de fugir com as suas tropas pra Espanha; na III Invasão, entre 1810 e 1811, verifica-se a investida do marechal Massena pela Beira para soçobrar nas linhas de Torres, ou seja, nos anéis defensivos de Lisboa. No curso da então chamada Guerra Peninsular avulta a resistência do povo português, encabeçada militarmente por expedicionários ingleses, comandados por Sir Arthur Wellesley (futuro duque de Weltington) e pelo reorganizado exército português, façanha que o futuro imperador do Brasil em especial apreciava. Napoleão alinha primeiro vitórias de espantar no Centro e Leste europeu e enfim sucessivos reveses bélicos, antes de perder o trono e de novo o recuperar, até à derrocada final frente às potências europeias coligadas sob a égide da Inglaterra. As nações vencedoras, reunidas no Congresso de Viena, entre as quais figura Portugal, apesar do sobressalto a que põe cobro a Batalha de Waterloo, definem os novos rumos da situação e política europeias em 1815.
No Brasil, de 1808 a 1817, data do seu casamento, o príncipe Pedro residirá entre folguedos, cavalgadas e feitos de toureio e caça, acompanhado pelos seus fiéis e, a seu tempo, pelo infante Miguel, por fim seu companheiro de todas as bravatas e de todas as loucuras. Segundo Octávio Tarquínio Sousa, em São Cristóvão e em Santa Cruz Pedro passava os seus dias mais soltos e alegres de menino e adolescente, com vindas ao paço da cidade por ocasião de festejos e solenidades, sem falar nas estadas mais raras no sítio de São Domingos ao lado da Praia Grande, hoje Niterói, na ilha do Governador, ou na ilha de Paquetá para a festa de S. Roque. Estudava o Príncipe da Beira? Estudaria certamente, num horário que não o asfixiaria. E brincava, montava cavalos, encontrando grande prazer em cuidar deles, em dar-lhes banho e aprender a ferrá-los. Cedo igualmente se iniciou no desporto arriscado de conduzir carros à disparada, de chicote em punho. Mas nem todo o dia estaria nisso ocupado. Versátil como todos os meninos, variava de brinquedo, atraído por outras ocupações. Se o pai, entregue às coisas do Estado, não podia conceder-lhe cuidados assíduos, se a mãe, longe dele e atraída pela ambição política, de raro em raro o via, não lhe faltava a assistência de D. Maria Genoveva Rego e Matos, sua aia e secretária. A sua educação acontece um pouco ao acaso, ou pior, isto é, em confissão do próprio, como a de um palafreneiro. Previam-se lições de caligrafia, de matemática, de história, de geografia, de latim, de música e de equitação, assim como a aprendizagem de um ofício manual, o de marceneiro, em que se notabilizara o seu antepassado, o rei José I. Como preceptores surgem, com imagem fosca, o militar-diplomata Raedemeker e o franciscano frei António da Arrábida, antigo bibliotecário do Convento de Mafra, já que o príncipe não prima no estudo. Gostava particularmente de música, tocava diversos instrumentos e compôs, ao longo do tempo, peças várias, religiosas, políticas e ligeiras. De acordo com as investigações de Manuel Ivo Cruz, entre elas avultam mais tarde os futuros hinos do Brasil e de Portugal, principalmente o nosso Hino da Carta, assim como um Te Deum e uma sinfonia, etc. Para o efeito, manteve contacto com músicos e compositores que afeiçoaram esta sua notória predilecção, entre os quais o austríaco Neukommen, o brasileiro José Maurício e Marcos Portugal. Objecto da sua pouca leitura, alguns livros de autores conhecidos, nomeadamente Benjamin Constant, marcaram-no. De ouvido aprendeu muito, aliás como diversos políticos de gabarito, menos letrados que homens de acção.
A par das primícias amorosas do jovem príncipe, que dão lugar a uma relação sensual com a dançarina Noémi Thierry, correm diligências de João VI, por via diplomática, no sentido de lhe encontrar noiva apropriada, facilitadas pela estirpe, aliada ao prestígio que o enfrentamento do reino com as tropas imperiais e a eficácia da acção no Brasil tinham valido ao nosso monarca e a Portugal estatuto de potência renomada, declara Jacques Pirenne. A escolha recaiu na arquiduquesa de Áustria, D. Leopoldina (1797-1826), filha do imperador Francisco I e irmã da antiga imperatriz de França, Maria Luísa». In Luís Oliveira Ramos, D. Pedro, Imperador e Rei, Experiências de um Príncipe (1798-1834), Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Temas Portugueses, Lisboa, 2007, ISBN 978-972-27-1428-0.

Cortesia de INCM/JDACT