quarta-feira, 30 de julho de 2014

Conhecimentos no 31. Breve História da Censura Literária em Portugal. Graça Rodrigues. «Em 1539, cinquenta anos após a impressão do primeiro livro de que há notícia impresso em Portugal: “O Tratado de Confissom”, impresso em Chaves a 8 de Agosto de 1489, aparece o primeiro livro de que há notícia ter sido sujeito a censura prévia: o “Ensino Cristão”»

jdact

Os Arquétipos. A Censura Inquisitorial
«(…) Em 1521, Leão X escreve ao rei Manuel I pedindo-lhe ajuda nas suas instâncias junto do imperador para que os livros heréticos não sejam divulgados em Portugal e Espanha. Em resposta escreve o rei Manuel I ao papa informando-o que tomara previdências contra a heresia, o que Leão X agradeceu e louvou. Também o monarca Sebastião em 1571 declarava ao Sumo Pontífice que estava pronto a combater os luteranos. Aliás este rei acrescenta que teria sido o conhecimento desta determinação do monarca português que impedira os luteranos de atacar o reino de Portugal com uma armada poderosíssima de sessenta ou setenta navios. Vemos assim os objectivos coincidentes da censura portuguesa com os da Igreja: combater a heresia. A censura vai exercer-se de dois modos: a censura preventiva e a censura repressiva. A primeira consistia na censura prévia das obras, o que dará origem mais tarde à elaboração de índices expurgatórios, e era exercida por três entidades: o Conselho Geral do Santo Ofício, maldito, (censura papal), o Ordinário da Diocese (censura episcopal) e, a partir de 1576, o Desembargo do Paço (censura real). Veja-se a aceitação de que teria de gozar o autor para conseguir passar estes trâmites burocráticos.
Temos o exemplo de Damião de Góis, cuja Parte IV da Crónica de D. Manuel, impressa a 25 de Julho de 1567, ainda não se encontrava à venda cinco anos e meio mais tarde porque o bispo António Pinheiro tinha de emendar um pouco que estava errado numa página. Ora, como sabemos, o bispo António Pinheiro não era amigo de Damião de Góis. A censura repressiva exercia-se através do controle das alfândegas e portos e visitas às livrarias públicas e particulares. O modo como a censura foi organizada no século XVI está devidamente estudado por, entre outros, Sousa Viterbo, António Baião, Silva Dias, Révah e é sintetizado, a partir dos estudos que existiam à data, na obra de António José Saraiva, História da Cultura em Portugal. O primeiro controlo que se começou a exercer sobre a imprensa foi através da concessão de privilégios de impressão e venda que os livros em geral exibiam e que eram a única garantia legal da propriedade literária e editorial. O primeiro privilégio que se conhece data de 20 de Fevereiro de 1537 e foi outorgado por João III ao escritor cego Baltazar Dias, natural da Ilha da Madeira, autor de autos populares e de poemas narrativos. O privilégio foi concedido nos seguintes termos:
  • Dom Joham etc. A quantos esta minha carta virem faço saber que Balltezar Diaz, ceguo, da Ilha da Madeira, me disse por sua petyçam que ele tem feito algũas obras asy em prosa como em metro, as quaes foram já vistas e aprovadas e allgũas dellas ymprimidas, segundo podya ver por hum publico estromento que perante mim apresentou.
Vemos, por este privilégio, que antes de 20 de Fevereiro de 1537 já tinham sido examinadas obras de literatura popular, em prosa e em verso, que se viria a chamar de literatura de cordel. É provável que a instituição da censura preventiva date do estabelecimento inicial da Inquisição (maldita) em 1536. Em 1539, cinquenta anos após a impressão do primeiro livro de que há notícia impresso em Portugal: O Tratado de Confissom, impresso em Chaves a 8 de Agosto de 1489, aparece o primeiro livro de que há notícia ter sido sujeito a censura prévia: o Ensino Cristão, de autor anónimo, o qual trás no frontispício, a seguir ao título, as palavras aprovado pela santa inquisição. Com privilégio real. No reverso vem uma provisão do cardeal Infante Henrique, Inquisidor-Geral, em que diz:
  • Que mandado ver a obra por letrados, e achando-a útil, dá licença para se imprimir e vender.
A provisão é datada de 3 de Setembro de 1539. Os termos da aprovação mostram, no entanto, que não havia ao tempo pessoa ou pessoas especialmente encarregadas do exame dos livros. O segundo livro censurado, impresso, como o Ensino Cristão, por Luís Rodrigues, também em 1539, foi a Grammatica da lingua portuguesa com os mandamentos da santa mádre igreja de João de Barros, impresso por autoridade da santa inquisiçam (maldita). A censura preventiva recebe no ano seguinte a 1540 uma organização estável. A 2 de Novembro o Inquisidor-Geral, o Infante Henrique, confia a censura disciplinar dos livros a três dominicanos: o prior do convento de S. Domingos de Lisboa, o vice-prior (frei Aleixo) e frei Cristóvão Valbuena. Uma das incumbências que recebem é a de mandar noteficar a todos [os] empressores que não imprimam novamente ninhuns livros sem primeiro serem vistos [e] examinados per eles». In Graça Almeida Rodrigues, Breve História da Censura Literária em Portugal, Instituto de Cultura Portuguesa, Série Literatura, Biblioteca Breve, Amadora, 1980.

Cortesia de ICP/JDACT