Aquele precário reino do
exilio
«(…)
Em seguida, o autor tenta traçar uma forma de diferenciar o exilio da diáspora.
Segundo Peters, o contraste-chave com a diáspora esta na ênfase desta
sobre relações laterais e descentradas entre os dispersados.
O exilio sugere um pesar (pining) pela ausência do lar; a diáspora sugere redes entre os
compatriotas. O exílio pode ser solitário, mas a diáspora e sempre colectiva. A
diáspora sugere relações reais ou imaginadas entre companheiros disseminados,
cuja noção de comunidade e sustentada por formas de comunicação e contacto tais
como o parentesco, a peregrinação, o comércio, a viagem e a cultura comum,
língua, ritual e escritura. Algumas comunidades na diáspora talvez se
movimentem para retornar ao país de origem, mas a norma que diz que o retorno é
desejável ou mesmo possível não faz necessariamente parte da diáspora hoje em
dia.
A
fim de melhor organizar o esforço conceitual apresentado até aqui, é possível
afirmar que uma das bases fundamentais do pensamento sobre o exílio e a
separação traumática, presente no pensamento de Suvin, na sua postulação
de que o exílio normalmente afasta qualquer possibilidade de retorno, mas que,
por sua vez, reflecte-se em sentido inverso sobre a noção de Peters da
presença permanente do desejo por este retorno. Trata-se de um desenrolar psíquico
da experiência do exílio, localizado nas fantasias compensatórias e mesmo nas
paranóias engendradas por toda forma de proibição e que, com frequência, interfere
nos projectos políticos aos quais muitos exilados se dedicam. Ambos, no
entanto, deixam de considerar os casos em que os exilados se adaptam de forma
tão absoluta ao novo país que deixam de ser exilados e comumente adquirem uma
cidadania substituta ou alternativa.
A
diáspora, por sua vez, representa um problema conceitual mais aberto. Segundo a
leitura feita por James Clifford do trabalho de Safran, ela encontra
traços comuns com o exilio em sua ênfase na sustentação de um mito da terra
natal, a pátria, e no desejo de retorno a esta pátria. Entretanto, se comparada
com a nomenclatura de Suvin, a diáspora pode congregar tanto os refugiados
quanto os emigrados, não apenas por seu carácter colectivo, que a diferencia do
exílio, mas também pelo facto de que sua origem pode ser tanto politica quanto
económica. Ainda segundo Suvin, o retorno é uma possibilidade remota para refugiados
e emigrados. Este ponto afasta os refugiados e emigrados, na análise de Suvin,
do conceito de diáspora formulado por Safran e citado por Clifford, ao mesmo
tempo em que os aproxima da noção de Peters, muito mais interessado em redes
formadas no país anfitrião pelas comunidades diaspóricas do que na fixação
sobre um projecto de retorno ao país natal.
O que se depreende das complexas
inter-relações apresentadas acima e que os exilados, refugiados e emigrados
podem, eventualmente, no âmbito de determinadas circunstancias, estabelecer
colectividades diaspóricas. Isto depende enormemente da forma com que os agrupamentos
formados no exterior interagem com as causas que os levaram a deixar a sua terra
natal e com as relações estabelecidas no país anfitrião. Em certo sentido, a
dificuldade de se traçarem fronteiras exactas entre o exilio e a diáspora e
compensada pela possibilidade de se pensar que esta última pode trazer a
experiência do exílio uma leveza que e negada toda-vez que o pesar
pela perda (temporária ou não) do contacto
com a pátria ocupa todo o espaço experiencial daqueles que vivem longe da terra
das suas memórias mais estruturantes. Por esta razão, muitos dos pensadores que
analisam os deslocamentos humanos tendem, hoje, a concordar com a noção de que
o exílio criou relações históricas com o nacionalismo, que pode se tornar o
companheiro ideal para a xenofobia, ao passo que a diáspora se aproximou, nas décadas
mais recentes, das relações transculturais e transnacionais. Enquanto o estudo
dos movimentos humanos sistematizou-se a partir do surgimento de novas
disciplinas no campo das ciências humanas, como a antropologia e a sociologia,
e do fortalecimento de outras mais antigas, como a história e a geografia, a
relação entre tais movimentos e deslocamentos e a literatura remonta à Antiguidade
ou, talvez, aos primórdios da escrita». In Anderson Bastos Martins, Onde Fica o
Meu País?, O exílio e a migração na ficção pós-apartheid de Nadine Gordimer,
Tese, Universidade F. de Minas-Gerais, Faculdade de Letras, Brasil, 2010.
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