Palavras
Prévias
«As
condições em que nos encontramos, reunião de historiadores espanhóis e
portugueses, neste lugar e neste momento, tornam-se uma oportunidade relevante
para procedermos a uma meditação, de algum modo, em comum, sobre o que sentimos
dever salientar quanto ao destino
histórico, dos dois estados peninsulares, Portugal e Espanha. E já não o
fazemos só entre nós, mas num cenário mais amplo e decerto que mais seguro,
para a garantia das conclusões. Fazemo-lo com a certeza imediata da nossa
responsabilidade, na Europa e no Mundo. É certo que sempre acabou por ser
assim. Mas tal certeza não se manifestava com a mesma velocidade de notícia,
comunicação cultural e intercâmbio das medianas, nem nas actuais circunstâncias
de pouca sensibilidade imediata aos sacrifícios necessários à criação nacional
própria e à sua perenidade. A esse respeito, o tempo de espera é maior.
Com
efeito, as preocupações com o desenvolvimento são, hoje, as mais
particularmente, exigentes e significativas. Não se podem iludir em pirotecnias
de particularismos sem função e menos ainda supor que a sempre diversa
problemática humana pode ser resolvida com violências ecológicas ou em
contratos puramente materiais, esquecendo os decisivos e múltiplos factores
espirituais. Temos visto medidas para preservar o cabrito montês, mas nada
vimos ainda que nos defenda da publicidade, da falta de civismo ou da lenta
deterioração de valores que levam à subalternização do espírito publico! Se nos
não precavermos e aceitarmos como as únicas possíveis generalidades poderosas,
só tarde veremos que elas são estéreis em si mesmas, como tais. Pagá-lo-emos em
inércia e desinteresse, na perda de criatividade, na desertificação da
uniformidade que espreita as grandes hegemonias e na paragem do aproveitamento
dos nossos dotes naturais.
Não
pode, pois, ser esquecido o longo trajecto histórico dos povos da Península.
Foi, por diferentes vezes, comum, mas, sempre, só paralelo. Com isso todos nós
temos beneficiado, como comunidade, sejamos poderes, nações, estados ou
sensibilidades. As independências não foram vantajosas só para Portugal. As identidades
construídas desde remotas proveniências, ao chegarem à insofismável confirmação
política, desempenharam um papel decisivo no equilíbrio peninsular que, sendo
natural, a todos beneficiou, por diferentes, decisivas, ocasiões e
modos. Até hoje.
Não
há nações circunstanciais. Isso não quer dizer que uma nação não tenha sempre
uma parte de tentativa determinada ou projectada. São realizações humanas, com
o sentido de que uma comunidade ou um conjunto de comunidades, por múltiplas
condições convergentes, podem encontrar maneiras de explorar formas de
desenvolvimento e consulta. São esses meios de conciliação e reforço realizados
por actos comuns que lhes permitiram manter o significado que representam as nações.
Não é possível considerar este processo como um acaso pois ele se manifesta em actos
duráveis e persistentes que ultrapassam as consciências individuais e se
concretizam em realizações históricas que compreendem pessoas, lugares,
decisões colectivas que conquistaram a continuidade com que se exprimem. O
conceito de circunstância é incompatível com o de nação e ainda se torna menos
verosímil se o aplicarmos a uma nação, como é a portuguesa, que tem quase nove
séculos de existência política. Se nove séculos de independência política são
circunstância, o que é então uma permanência? Os sucessos e os insucessos
vividos em comum provam que uma nação adquiriu consciência crítica quanto às
suas capacidades e conseguiu formular uma interpretação assente nos sucessivos
triunfos da sua unidade realizada. E
não será isso a sua história? E não poderá definir, ou contribuir
para definir, um destino histórico?»
In
Jorge Borges Macedo, Portugal um Destino Histórico, Academia Portuguesa da História,
Lisboa, 1999, ISBN 972-624-127-8.
Cortesia
de APHistória/JDACT