Fazer a História das
Misericórdias. As Misericórdias da fundação à União Dinástica
«(…) Nesta síntese
privilegia-se a informação colhida numa exploração sistemática das Chancelarias Régias, a
que se associou a análise de outra documentação de carácter normativo, com o
objectivo de obter uma imagem tão abrangente quanto possível, e centrada nas
políticas régias que nortearam a sua estruturação. Seguiu-se ainda um critério
que privilegia a vertente política, pelo que os textos se agruparam segundo os
reinados a que diziam respeito. O primeiro, de Manuel, dura 26 anos (de 27 de Outubro de 1495 a 13 de Dezembro
de 1521); o segundo vai desta última data a 1557 (João III morreu a 12 de Junho), num total de cerca de
35 anos. No que respeita ao período compreendido entre a morte deste rei e 1580 (23 anos), devido às várias
regências que atravessaram este período, no qual a influência do cardeal Henrique
esteve quase omnipresente, optou-se por aglutinar toda a informação num núcleo
único. Foi também esse o critério da organização da própria chancelaria, que agrupa
os documentos emitidos pelo rei Sebastião e cardeal-Rei Henrique nos mesmos livros.
O reinado de Manuel I: Novas
Interpretações
Foi durante o governo de Manuel I que foram instituídas as primeiras
misericórdias. Muita coisa aconteceu nos 26 anos em que reinou. Ordenou-se
a Leitura Nova, fizeram-se os forais novos,
elaboraram-se numerosos regimentos e imprimiram-se pela primeira vez as Ordenações
do Reino (duas edições, uma
mal sucedida em 1514 e a outra em 1521).
Excluiram-se judeus e mouros da vida social portuguesa; reforçou-se o poder
económico e político das Ordens Militares. Exploraram-se as potencialidades
comerciais da descoberta do caminho marítimo para a Índia. Como pano de fundo
de todas estas mudanças temos, sem margem para dúvidas, o enriquecimento da
Coroa proporcionado pelos rendimentos da expansão portuguesa, Manuel I é o rei-mercador por excelência.
A embaixada ao papa
de 1514, na qual o rei enviou a
Leão X numerosos presentes, entre os quais um elefante e uma onça, ficou
justamente conhecida como o símbolo da opulência régia, dada a conhecer
à Europa do tempo. Também significativo é o mecenato manuelino em matéria
arquitectónica e nas artes visuais. Manuel I dá, mal ou bem, o nome a um estilo
e Joaquim Oliveira Caetano afirma que transformou o reino num estaleiro, sublinhando a grande intimidade
entre o rei e a arquitectura. O reino assistiu a uma vaga de construção de
edifícios sem precedentes, também ela perpassada de intenções de propaganda do
rei e da sua família. No campo da pintura, escultura e iluminura são de
salientar as diversas figurações directas do rei e da sua família, associadas a
uma nova simbologia de auto-comemoração e auto-celebração do rei, do reino e
do império. Todos estes aspectos são familiares a quem se debruce sobre
este reinado. No entanto, seria preciso estar-se distraído para não perceber a
alteração dos paradigmas interpretativos na recente historiografia nacional. Ao
monopólio do comércio, expressão que
designa o controlo por parte do rei de todo o processo político, económico e
financeiro da Ásia portuguesa até 1570,
veio juntar-se recentemente outra, a de mercantilização
do Estado. Em vez de se discutir a afirmação da monarquia na oposição e
luta contra a nobreza, contrapõe-se a sua curialização.
Francisco Bethencourt entendeu ser mais rigoroso falar em conversão violenta
e generalizada à fé cristã dos judeus do que utilizar o termo expulsão. Os historiadores manifestam o
seu cepticismo em relação à eficácia dos forais novos e relembram
as dificuldades em instalar no terreno os juízes de fora, considerados veículos
por excelência da interferência régia no poder local. Lurdes Rosa contestou o
agrupamento das famosas reformas
manuelinas (das capelas, dos forais, das Casas da Guiné e da Índia, das
sisas, das Ordenações, etc…), entendidas como um conjunto de modernizações administrativas
que evoluíram no sentido único da construção do Estado Moderno». In Isabel dos Guimarães Sá, José Pedro Paiva, Portugaliae
Monumenta Misericordiarum, Fazer a História das Misericórdias, Centro de
Estudos de História Religiosa, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, União
das Misericórdias Portuguesas, 2002, ISBN 972-98904-0-4.
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