Contexto histórico. O Estado
da Índia e o Padroado Português do Oriente. Os profissionais da arquitectura
«O Tratado de Tordesilhas, em 1494, entre Portugal e Espanha, com mediação papal, regulava não só
as pretensões de ambos os países ibéricos sobre novos territórios descobertos,
mas limitava também geograficamente os privilégios e direitos do rei português.
Neste tratado, em que Portugal e Espanha dividiram o mundo em duas metades,
através de um meridiano, a ocidente de Cabo Verde, atribui-se a Portugal a
metade correspondente ao Velho Mundo, onde, como se confirmou mais tarde, se
encontrava o verdadeiro objectivo dos portugueses, a Índia. O
significado do Tratado de Tordesilhas não se limitou a evitar confrontações
bélicas entre duas nações rivais. Este selou também o que entretanto se tinha
tornado realidade: a expansão portuguesa para África e para o Oriente por um
lado e, por outro, os descobrimentos espanhóis orientados para o Ocidente desde
a viagem de Colombo em direcção ao continente americano. A localização do
meridiano que dividiu o globo em duas metades, definido no Tratado de
Tordesilhas, permitiu mesmo assim a Portugal ter direito a territórios no
continente americano, nomeadamente o Brasil. Desde o final do século XV que os
direitos e deveres de padroado da Ordem de Cristo no ultramar foram passando
sucessivamente para a Coroa. Após o acidente mortal do príncipe Afonso, filho
de João II, o rei Manuel I, primo-direito do rei e grão-mestre da ordem,
tornou-se herdeiro da Coroa portuguesa. Quando este sobe ao trono, em 1495, dá-se pela primeira vez a união
pessoal entre monarca e grão-mestre da Ordem de Cristo. Em 1514, o papa Leão X fundou a diocese do Funchal, a que passaram a
pertencer os territórios conquistados no ultramar.
Alguns direitos eclesiásticos, como, por exemplo, o de nomear um bispo,
foram transferidos da ordem para o rei. Após a morte de Manuel I, o seu
primogénito, João III herdou não só o trono, mas também o título de grão-mestre
da Ordem de Cristo. Em 1533, o papa
Clemente fundou, a pedido do rei, a diocese de Goa, que continha todos os
territórios sob domínio português a leste do cabo da Boa Esperança. Quando, no
ano seguinte, o papa Paulo III confirmou a fundação desta diocese com a bula Aequum reputamus, atribuiu pela
mesma todos os direitos de padroado ainda na posse da Ordem de Cristo ao rei de
Portugal. Embora somente em 1551
tenha sido colocada a administração da ordem definitivamente sob a tutela do
rei de Portugal, todos os direitos eclesiásticos desta tinham já passado para a
Coroa. Em 1557, Goa foi elevada a
arquidiocese metropolitana, à qual passavam a pertencer as então criadas
dioceses de Cochim e Malaca. O Padroado Português do Oriente significou para a
Coroa portuguesa não só direitos e privilégios, mas também obrigações. Entre
estas contava-se a obrigação de vigiar pela propagação de fé cristã. Na
prática, isto significava que a Coroa tinha a seu cargo a parte material (ou temporal)
das missões de cristianização, enquanto a Igreja se ocupava da parte
espiritual. O rei de Portugal, no seu papel de padroeiro no Oriente, era
responsável pelo apoio logístico e financeiro às missões, cabendo-lhe nesta
função fundar igrejas e conventos. Teoricamente, a fundação de igrejas e
conventos nos territórios sob domínio português era somente possível com a
aprovação do rei de Portugal. Na prática, porém, a distância destes territórios
à metrópole permitia desvios à regra, como o prova a edificação da Igreja e
Convento de Nossa Senhora da Graça em Velha Goa. O rei era assim, para usar um
termo contemporâneo, o dono de obra dos edifícios religiosos que se ergueram
dentro dos limites do seu padroado. A diferença em relação à metrópole era não
lhe ser possível exercer a sua directa influência sobre a arquitectura aqui
realizada. Mas a Coroa tinha no Estado da Índia um aparelho administrativo com
sede em Velha Goa, que servia também como instrumento do rei para cumprir as
suas obrigações de padroeiro. Deste aparelho administrativo fazia parte o lugar
de mestre-de-obras de el-rei na Índia, mais tarde denominado engenheiro-mor da Índia.
Este lugar era preenchido por engenheiros militares, cuja função principal era
a de construir, melhorar e manter as inúmeras fortalezas que nas costas africanas
e asiáticas asseguravam o monopólio comercial marítimo português». In
António Nunes Pereira, A Arquitectura Religiosa Cristã de Velha Goa, Segunda
metade do Século XVI, Primeiras Décadas do Século XVII, Orientalia, Fundação
Oriente, Lisboa, 2005, ISBN 972-785-084-7.
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