Écloga
VIII
«Arde
por Galateia, branca e loura,
sereno,
pescador pobre, forçado
düa
estrela cruel que à míngua moura.
Os
outros pescadores têm lançado
no
Tejo as redes; ele só fazia
este
queixume ao vento descuidado.
- Quando virá, formosa Ninfa, o dia
em
que te possa dar a conta estreita
desta
doudice triste e vã porfia?
Não
vês que me foge a alma e que me enjeita,
buscando
num só riso da tua boca,
nos
teus olhos azuis, mansa colheita?
Se
a esse espírito algüa mágoa toca,
se
de Amor fica nele üa pegada,
que
te vai, Galateia, nesta troca?
Dar-te-ei
minha alma; lá ma tens roubada;
não
ta demandarei; dá-me por ela
üa
só volta de olhos descuidada.
Se
muito te parece e minha estrela
não
consentir ventura tão ditosa,
dou-te
as asas do Amor perdidas nela.
Que
mais te posso dar, Ninfa formosa,
inda
que o mar de aljôfar me cobrira
toda
esta praia leda, e graciosa?
Amansam
as ondas, quebra o vento a ira;
minha
tormenta triste não sossega;
arde
o peito em vão, em vão suspira.
Ao
romper de alva anda a névoa cega
sobre
os montes da Arrábida viçosos,
enquanto
a eles a luz do Sol não chega.
Eu
vejo aparecer outros formosos
raios,
que a graça e cor ao céu roubaram;
ficam
meus olhos cegos mais saudosos.
Quantas
vezes as ondas se encresparem
com
meus suspiros! Quantas com meu pranto
se
pararam com mágoa e me escutaram!
Se,
na força da dor, a voz levanto,
e
ao som do remo, que água vai ferindo,
por
alta Lua meu cuidado canto,
os
maviosos delfins me estão ouvindo;
a
noite sossegada; o mar calado.
Só,
Galateia, foges e vás rindo.
Estranhas,
porventura o mar cercado
da
fraca rede, abarca ao vento solta.
E
um pobre pescador aqui lançado?
Antes
que dê no céu o Sol üa volta,
Se
pode melhorar minha ventura,
como
acontece aos outros, na água envolta.
Igual
preço não é da formosura
areia
de ouro que o rico Tejo espraia,
mas
um amor que para sempre dura.
Vejam
teus olhos, bela Ninfa, a praia;
verás
teu nome na mimosa areia.
Nunca
sobre ele o mar com fúria saia!
Vento
ou ar até agora a não salteia.
Três
dias há que escrito aqui o deixou
amor,
guardando-o a toda a força alheia.
Ele
com suas mãos mesmo ajudou
a escolher
estas conchas, afirmando
que
o Sol para ti só as matizou.
Um
ramo te colhi de coral brando;
Antes
que o ar lhe desse, parecia
o
que de tua boca estou cuidando.
Ditoso
se o soubesse inda algum dia!»
In Lírica, edição de ‘Hernâni Cidade’
In
António Mateus Vilhena, Daniel Pires, A Serra da Arrábida na Poesia Portuguesa,
Centro de Estudos Bocageanos, 2014, ISBN 978-989-8361-16-5.
Cortesia
de CEBocageanos/JDACT