Os Arquétipos. A Censura Inquisitorial
«(…) Os professores a quem João
III tinha confiado a direcção do Colégio das Artes são detidos pela Inquisição (maldita). Os livros que
possuíam nas suas bibliotecas e que constava do Índice de 1547, ou eram julgados defesos, são confiscados. Ao mestre João
Costa são-lhe confiscadas, entre outras, obras de Sebastião Munster; a
Jorge Buchanan, de Felipe Melanchton; e a Marcial Gouveia, de Erasmo. Também
Diogo Teive foi molestado por não ter denunciado ao Santo Ofício (maldito) um francês que
possuía L’Institution de la Religion
Chrétienne, de Calvino. A 4 de Julho de 1551 o cardeal-infante publica um novo índice onde reitera as
sanções contidas no preâmbulo que elaborara para o índice de 1547. Este novo índice tem a força de
ser impresso e portanto ninguém poderá evocar ignorância dos seus preceitos. Pela
primeira vez aparece uma lista de livros em língua vernácula: sete
Autos de Gil Vicente aparecem aqui proibidos. A lista de autores
protestantes proibidos também é aumentada, tendo o censor português utilizado para
esse fim a monumental Bibliotheca
Universalis do erudito suíço Conrad Gesner. Este trabalho
original dos censores portugueses, de procurarem livros estrangeiros a serem
proibidos, veio a exercer, mais tarde, uma influência significativa nos índices
romanos. Em 1559 foi publicado o 1.°
Index Romano por ordem de Paulo IV, representante em Roma da corrente que
se opunha a qualquer compromisso com os Reformadores e com o humanismo
erasmiano. Este índice dividia os livros proibidos em três classes:
- Na primeira classe encontravam-se os autores cujas obras estavam todas proibidas. Erasmo encontrava-se nesta primeira classe;
- Na segunda classe encontravam-se os autores que tinham algumas obras proibidas;
- Na terceira contavam-se as obras de autores anónimos ou incertos.
Proíbe também uma boa parte de
todos os livros impressos nos últimos quarenta anos. Este índice romano
provocou verdadeiro pânico no mundo católico, apesar de não ter sido cumprido à
risca nem em Espanha nem em Itália. Em Portugal foi reimpresso em Coimbra pelo
impressor João Barreira por ordem do bispo João Soarez, o que
naturalmente mostra um interesse especial da parte portuguesa. Esta reimpressão
portuguesa deverá ter tido uma influência considerável na atmosfera
universitária coimbrã da época. O terceiro índice português conhecido data de 1561 e é assinado por fr. Francisco
Foreiro, dominicano português. Vem precedido duma carta do cardeal-infante de prohibições e d’avisos para os que este Rol
lerem que constitui uma verdadeira codificação da censura repressiva.
Também este trabalho dos censores portugueses veio a ter repercussão
internacional, pois foi a partir de experiências como esta que os
portugueses se tornaram os peritos em censura na Europa. Fr. Francisco Foreiro
é chamado a secretariar a comissão do Concílio de Trento encarregada da
revisão do Index de Paulo IV e da promulgação das regras de censura dos
livros, por gozar duma experiência única no mundo católico. Assim, as regras
que precederam o índice tridentino, promulgado por Pio IV em 1564, redigidas por fr. Francisco
Foreiro, passaram a constituir legislação permanente da Igreja.
Em 1581, Jorge Almeida publica um novo índice português que contém a
tradução, mais exacta do que a aparecida em 1564, das dez regras do índice tridentino que foram, em Portugal,
adoptadas sem reservas. Para além disso, e para melhor compreensão e eficiente
coacção, fr. Bartolomeu Ferreira acrescenta no final do índice uma longa lista
de:
- Avisos e lembranças que servem para o negócio e reformação dos livros, onde se poem alguns errores que nelles ha, para que se veja quam necessaria he a diligencia que nisto faz o Sancto Officio, e o resguardo e cautela que se deve ter nesta matéria e na lição dos taes livros. E se manda que se entreguem ao Sancto Officio para se emendarem».
In
Graça Almeida Rodrigues, Breve História da Censura Literária em Portugal,
Instituto de Cultura Portuguesa, Série Literatura, Biblioteca Breve, Amadora,
1980.
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