terça-feira, 12 de agosto de 2014

Breve História da Censura Literária em Portugal. Graça Rodrigues. «… a 2.ª edição de “Os Lusíadas”, publicada em 1584 ainda sob a vigilância de fr. Bartolomeu Ferreira, vem à luz emendada e mutilada, no que respeita às passagens mitológicas, como as das ‘ilhas dos Amores’, que são consideradas sensuais e portanto desonestas»

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Os Arquétipos. A Censura Inquisitorial
«(…) Os professores a quem João III tinha confiado a direcção do Colégio das Artes são detidos pela Inquisição (maldita). Os livros que possuíam nas suas bibliotecas e que constava do Índice de 1547, ou eram julgados defesos, são confiscados. Ao mestre João Costa são-lhe confiscadas, entre outras, obras de Sebastião Munster; a Jorge Buchanan, de Felipe Melanchton; e a Marcial Gouveia, de Erasmo. Também Diogo Teive foi molestado por não ter denunciado ao Santo Ofício (maldito) um francês que possuía L’Institution de la Religion Chrétienne, de Calvino. A 4 de Julho de 1551 o cardeal-infante publica um novo índice onde reitera as sanções contidas no preâmbulo que elaborara para o índice de 1547. Este novo índice tem a força de ser impresso e portanto ninguém poderá evocar ignorância dos seus preceitos. Pela primeira vez aparece uma lista de livros em língua vernácula: sete Autos de Gil Vicente aparecem aqui proibidos. A lista de autores protestantes proibidos também é aumentada, tendo o censor português utilizado para esse fim a monumental Bibliotheca Universalis do erudito suíço Conrad Gesner. Este trabalho original dos censores portugueses, de procurarem livros estrangeiros a serem proibidos, veio a exercer, mais tarde, uma influência significativa nos índices romanos. Em 1559 foi publicado o 1.° Index Romano por ordem de Paulo IV, representante em Roma da corrente que se opunha a qualquer compromisso com os Reformadores e com o humanismo erasmiano. Este índice dividia os livros proibidos em três classes:
  • Na primeira classe encontravam-se os autores cujas obras estavam todas proibidas. Erasmo encontrava-se nesta primeira classe; 
  • Na segunda classe encontravam-se os autores que tinham algumas obras proibidas; 
  • Na terceira contavam-se as obras de autores anónimos ou incertos.
Proíbe também uma boa parte de todos os livros impressos nos últimos quarenta anos. Este índice romano provocou verdadeiro pânico no mundo católico, apesar de não ter sido cumprido à risca nem em Espanha nem em Itália. Em Portugal foi reimpresso em Coimbra pelo impressor João Barreira por ordem do bispo João Soarez, o que naturalmente mostra um interesse especial da parte portuguesa. Esta reimpressão portuguesa deverá ter tido uma influência considerável na atmosfera universitária coimbrã da época. O terceiro índice português conhecido data de 1561 e é assinado por fr. Francisco Foreiro, dominicano português. Vem precedido duma carta do cardeal-infante de prohibições e d’avisos para os que este Rol lerem que constitui uma verdadeira codificação da censura repressiva. Também este trabalho dos censores portugueses veio a ter repercussão internacional, pois foi a partir de experiências como esta que os portugueses se tornaram os peritos em censura na Europa. Fr. Francisco Foreiro é chamado a secretariar a comissão do Concílio de Trento encarregada da revisão do Index de Paulo IV e da promulgação das regras de censura dos livros, por gozar duma experiência única no mundo católico. Assim, as regras que precederam o índice tridentino, promulgado por Pio IV em 1564, redigidas por fr. Francisco Foreiro, passaram a constituir legislação permanente da Igreja.
Em 1581, Jorge Almeida publica um novo índice português que contém a tradução, mais exacta do que a aparecida em 1564, das dez regras do índice tridentino que foram, em Portugal, adoptadas sem reservas. Para além disso, e para melhor compreensão e eficiente coacção, fr. Bartolomeu Ferreira acrescenta no final do índice uma longa lista de:
  • Avisos e lembranças que servem para o negócio e reformação dos livros, onde se poem alguns errores que nelles ha, para que se veja quam necessaria he a diligencia que nisto faz o Sancto Officio, e o resguardo e cautela que se deve ter nesta matéria e na lição dos taes livros. E se manda que se entreguem ao Sancto Officio para se emendarem».
In Graça Almeida Rodrigues, Breve História da Censura Literária em Portugal, Instituto de Cultura Portuguesa, Série Literatura, Biblioteca Breve, Amadora, 1980.

Cortesia de ICP/JDACT