Casamento
«(…) - Dois dias, Joana?
Que história é essa? Confusa,
ela retorquiu: - Margarida disse-me ainda hoje que os preparativos finais da cerimónia
estarão concluídos daqui a dois dias. Certamente não percebi mal. Ele riu-se
dela. - Sim, bem sei que são esses os planos. Mas porquê esperar? Isso é apenas uma cerimónia pública para
satisfazer os outros. Podemos decidir por nós próprios quando devemos
abençoar-nos. Na verdade, porque não
fazê-lo imediatamente? Filipe ajoelhou-se defronte dela, qual criança
implorando um favor especial. A mente de Joana sobressaltava-se. Casar-se agora,
tornarem-se marido e mulher nessa mesma noite. Era o que mais desejava, mas que diriam as pessoas? Não
interessava. Estavam no país de Filipe, era ele quem decidia e todos lhe obedeciam.
Como os outros, ela encontrava-se às suas ordens. Sorriu-lhe e fez um aceno
afirmativo com a cabeça.
Ele deu um salto e, agarrando-a pela cintura, ergueu-a bem alto. - Querida
Joana, minha preciosa. Agora só nos falta um padre. Joana lançou a cabeça pata
trás, rindo-se maliciosamente. - Eu tenho o padre ideal, o meu capelão, o deão
de Jaen. É tão sério e tão rígido. A minha mãe insistiu que o trouxesse como
confessor, embora eu tivesse preferido ter alguém mais simpático. Ambos não
podiam suspeitar qual seria o seu primeiro dever. Ele riu-se com ela, pensando
como aquilo enviaria a Espanha um sinal tão positivo; dir-lhe-ia que ele era o
amo da sua própria casa e não admitiria interferência daquelas bandas.
Alegrou-se de novo. Aquela união política trouxera-lhe uma amante calorosa e
vibrante em vez de uma esposa frígida. Beijou-a de novo como a selar o acordo,
dirigindo-se depois à porta para chamar a corte.
Depois de todos reunidos, mandou chamar o deão de Jaen para que lesse a
santa bênção da sua união. Já! Imediatamente! Era
inaceitável. Dom Fradique comunicou a sua total desaprovação, pigarreando
fortemente, mas era uma causa perdida. Joana não via nem ouvia mais ninguém
Para além de Filipe. Seguia todos os movimentos do seu príncipe, bebendo todos
os seus actos. Ele olhou para ela, com o desejo no olhar, e ela desejou que ele
a abraçasse contra o peito com os seus braços fortes e ali a mantivesse para
sempre.
Era um mundo de uma riqueza desconcertante, perpetuamente em festa. A
vida era uma longa celebração. As festas, os bailes e os torneios realizados em
todas as paragens das suas viagens, cada um mais esplêndido que o anterior,
proclamavam que as despesas não eram um problema. Comparado com Castela, onde
os prazeres se mantinham simples e sempre sob o olhar crítico dos ascéticos
padres, aquele novo estilo de vida foi uma revelação para Joana e ela mergulhou
nele com uma ousadia jubilosa. Filipe era mais galante que qualquer cavaleiro
dos poemas narrativos que Joana já lera. Escolhera novas cores
para os torneios, verde e amarelo, para proclamar publicamente o seu amor por
ela. Todos sabiam que o verde representava o amor cortês, o amor de um
jovem cheio de esperanças. O amarelo era pela satisfação, mas era ainda
mais, um jogo de palavras: Joana, igual a Jeanne, igual a Jaune, que
significava amarelo. Era especial para Joana e para mais ninguém. Ficou tremendamente
orgulhosa, com o coração a rebentar de amor pelo seu cavaleiro, na sua armadura
dourada, galopando para a tribuna para a cumprimentar. E provava à avó dele,
Margarida de York, que se sentava ao lado de Joana (como sempre), que Filipe era
muito feliz com a sua esposa espanhola. Uma felicidade delirante enchia-lhes os
dias, as semanas, os meses e nada mais interessava.
Todavia, passados alguns meses, a euforia começou a apresentar brechas
e os problemas a erguer a sua cabeça repulsiva. Joana percorria o pequeno
salão, onde devia encontrar-se com o almirante. Segurava na mão uma carta da
mãe; a primeira parte encerrava uma reprimenda, pois ela não tinha ainda
escrito para casa. Estivera demasiado ocupada a divertir-se, até há pouco tempo.
A segunda parte da carta era uma repetição da ordem dada pela mãe ao almirante:
dizer
ao duque Filipe para dar a Joana os vinte mil escudos decididos e acordados e
que eram necessários para manter a casa e o seu estado. Sabemos que tal não foi
feito. Era verdade. Joana não pudera pagar aos seus
cortesãos». In Linda Carlino, “That Other Joana”, 2007, Joana, a Louca, Editorial
Presença, Lisboa, 2009, tradução de Isabel Nunes, ISBN 978-972-23-4231-5.
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