O
Futuro de Goa
«Não
atrevo a arvorar-me em profeta, tão pouco em profeta moderno, pois o profeta moderno
é um profeta funesto e ruim que tem o sestro invariável de falhar nas suas
profecias. O mundo decerto está numa embrulhada medonha, e a nossa pequena Goa
não deixou de se enredar nela. Mas como sempre acontece numa crise, quando esta
passa pela sua fase aguda, a sua influência começa a definhar. Na frente de
relações sociais tivemos o infeliz episódio de Vasco. Carecemos, sem dúvida, de
trabalhadores não-goeses, mas aqueles que os engajam incorrem na severa
condenação de os tratar como escravos, como também o nosso Governo que fez
daquilo vista grossa. Não sabemos se é política (quero dizer política suja) ou
interesses egoístas que deu ensejo àquele desastroso incidente. Não é invulgar
ver em Goa a Política a andar de mãos dadas com a Corrupção. O nosso jornalismo
é uma mancha negra no jornalismo de outrora. De uma maneira geral, o nosso
jornalista, salvo excepções raras, é um indivíduo impudente, sovina e falho de visão.
O nobre orgulho e serenidade de ânimo que era o apanágio dos nossos jornalistas
antigos rareia, se cada vez mais. As grandes virtudes de honra, dignidade e
dever vão-se escasseando. Graças a isto, o féti
do cheiro de comunalismo está devassando os corredores do nosso edifício
social. Que sagrada e grave é a responsabilidade da Imprensa!
O nosso
Governo marcha de andas e, como é sabido, este é o meio deveras instável de
locomoção, ao menos aos incipientes. Não movendo muito, senão em espasmos, é
natural que se ocupem em malinguice a
passatempos frívolos. É a coçada parábola de caranguejos no cesto! Conluiando-se
em grupelhos, anavalhando reputações... onde lhes resta o tempo para reflexão e
se dedicarem para as questões mais
sérias de governação? Daí nasce a corrupção e a intriga. E os poucos que,
em circunstâncias normais, haviam de concorrer para o bem do povo, são inutilizados
pelos bisbilhoteiros. É uma farsa que se torna mais hilariante ainda quando
eles juram fidelidade ao partido e a beloved
Prime Minister. Que jolda de hipócritas! A oposição, como qualquer facção
oposicionista, opõe o governo para demoli-lo sempre se esquecendo que vive num reduto
vidrino. É raro vê-la construtiva. E a história segue, uma daquelas que não tem
fim... Tudo isto cria uma atmosfera de incerteza, repugnância e frustração. É
natural, por conseguinte, que a Administração se ache numa alhada e dê a impressão
de falta de liderança. Mas como pode
um líder agir de facto, se a todo momento lhe arremessam calúnias e apodos?
Há
outros que falam de cultura e identidade. É seu argumento que a incursão dos
não-goeses no território está, aos poucos, obliterando as mesmas. Nada disso! Se
a nossa cultura é sã, sólida e em bases firmes, e se temos uma identidade que
se distingue das outras, e é alicerçada na força de carácter e princípios convincentes,
então nenhuma força estranha pode apagá-las. Os Bengaleses que é talvez o povo mais invadido da Índia, tem apesar disto conseguido manter a sua cultura
e identidade que formam a parte integrante e orgânica do seu modo de ser,
estejam eles em qualquer parte do mundo. É facto curioso e paradoxal que quanto
mais um povo se cinge à sua cultura e identidade tanto ele se torna mais
liberal e largo e consegue mantê-las numa sociedade pluralista. Há ainda outro
aspecto de Goa torturada, a sorrateira emergência dos traços dum insidioso
comunalismo. Será este o resultado da
nossa integração no Bharat? Seria insensato pensar assim. Ou será o produto das forças clandestinas
que estão a operar na nossa sociedade? Em todo o caso, ou são as maquinações
dalguns indivíduos traiçoeiros, ou é a nossa flacidez estrutural. É sintomático
e convém precaver-se.
Lá
vai o resumido quadro político-social da nossa Goa, deprimente e desolador. Que nos espera no bojo do futuro?
Consideremos que a crise de cultura e identidade é causada pelo nosso desleixo
e tudo o que antes distinguia o Goencar,
a sua maneira de ser, agir, etc., está prestes a ser apagado pelos novos parâmetros
que entraram na sua vida. Entre estes, salientemos: que o estudo de Concani
seja obrigatório a todo o estudante goês ao menos durante os primeiros quatro
anos do curso preparatório, e que este seja ministrado em caracteres devanagaricos, dando-lhe assim
uma característica; que a reforma de instrução (há muito necessária) além de
incorporar novos conhecimentos científicos, técnicos e literários, com a devida
ensimesmação, tem também de velar pela higiene mental, moral e etológica; que
os representantes que nós escolhemos para a nossa. Assembleia sejam pessoas que
se tenham marcado pelo seu carácter, inteligência e aprumo moral; que os homens
de boa vontade tenham mais coragem e perseverança para se entregarem à luta
contra a corrupção e imoralidade política que, pelos modos, parece andar na
berra em Goa». In Bailon de Sá, Pontos de Vista, New Age Printers, Goa, Índia, 1998.
Para Álvaro José. Descansa em paz
Para Álvaro José. Descansa em paz
Cortesia
NAPrinters/JDACT