História
dum manuscrito quase ignorado durante mais de três séculos
«Em
1616, detrás das costas da capela de S. Tiago, concluía o padre Diogo
Pereira Sotto Maior, indigno capelão em a
Santa Sé, o seu Tratado da Cidade de Portalegre. Recolha de tradições e lendas,
relato de factos de que teve conhecimento ou que ele próprio presenciou, de
tudo foi guardando memória escrita em cadernos,
borrões e cartapácios. Desses materiais dispersos, e satisfazendo o
interesse manifestado pelo bispo Rodrigo Cunha, resultou o Tratado que lhe dedicou,
e ofereceu pelo Natal desse ano de 1616.
Este manuscrito fez parte da livraria do bispo Rodrigo Cunha e, no século
XVIII, encontrava-se na cela do padre doutrineiro da Casa Professa de S. Roque.
É citado por Barbosa Machado na sua Biblioteca Lusitana, quando se
refere a Diogo Pereira Sotto Maior. Nos princípios deste século, Luís Keil,
apaixonado investigador histórico, descobriu-o nas estantes dum alfarrabista em
Lisboa, e, por uns algarismos recentes feitos a lápis na capa de pergaminho que
o envolve, lembrou-se de lhe procurar o rasto em catálogos de antigas
livrarias. Encontrou-o registado no catálogo da Livraria Pereira Merelo, com o
n.º 5668 - PEREIRA (Padre Diogo). -
Manuscrito - Tratado da Cidade de Portalegre e de suas antiguidades, brochado
em pergaminho.
Natural
da freguesia de Alegrete, nasceu, no monte dos Muchachos, (actualmente Muachos)
freguesia de S. Tiago de Caiola, hoje fundida na freguesia da Urra. Ao falar do
bispo Julião Alva, primeiro bispo de Portalegre, ele mesmo diz que procede de Aligreite, e era sobrinho do
clérigo Manuel Rodrigues Miranda, primo irmão de seu pai. Este seu tio era homem muito rico e abastado, pelo que
recusou vários benefícios que o bispo
Julião Alva lhe oferecia. Fez a capela de Santo António na igreja de Alegrete,
onde está sepultado. Ternos, portanto, que o nosso tratadista era de boa família.
Não se encontrou registo da data do seu nascimento, mas pode inferir-se, de
indicações que nos dá no Tratado, que devia ter nascido entre
1550
e 1560. De facto, o bispo Julião Alva faleceu a 13 de Fevereiro de 1570, em Lisboa, e foi trasladado para
Portalegre. Diogo Pereira Sotto Maior diz que se lembra que vinha ainda inteiro. Diz mais
que, sendo minino de coro,
ouvira pregar muitas vezes na sé o bispo André Noronha, que sucedeu ao bispo
Julião Alva, em 1560, por renúncia deste.
Sabe-se também que já era clérigo de missa antes de 1588. Em 1616
confessa-se velho, cansado, com dificuldade em escrever, porque já lhe tremia a
mão. Da conjugação destes dados podemos concluir, com Luís Keil, que deve ter
nascido por volta de 1550 (…)». In
Leonel Cardoso Martins.
Relação
da cidade de Portalegre e de como foi levantada por cidade pelo muito
cristianíssimo rei Dom João triceiro e Dona Catherina sua molher, reis de
Portugal
Do sítio e assento desta nobre cidade
«Muitas
e diversas opiniões há, se esta cidade floresceu em tempo de gentilidade, ou se
foi edificada por cristãos. Uns dizem que daquela antiga cidade que está ao pé
da vila de Marvão, chamada Miróbriga ou Medóbriga, [daquela antiga cidade que está ao pé da vila de Marvão, chamada AMMAIA
(JDACT)] foi edificada
esta nossa de que vou tratando e que tomou por nome Ammaia, o que parece ter
alguma cor de verdade, porque eu vi e li um litreiro
que está em úa vasa de culuna, na ermida do Espírito Santo extra muros desta
cidade, escrito em letras romanas, o qual, tresladado da maneira que está, diz
assi:
IMP.
CAES. L. AVRELIO
VERO.
AG. DIVI. ANTO
NINI.
F. PON. MAX.
CÕS.
II. TRIB. PO.
PP.
MVNICIP.
AMMAIA.
Quer
dizer a exposição dos caracteres acima, segundo meu parecer, que Ammaia, sendo
município, dedicou estátua ao Imperador Lúcio Aurélio César, verdadeiro Augusto,
filho de Antonino, Pontifici Máximo, Tribuno do Povo, Cônsul duas vezes, Pai da
Pátria». In Diogo Pereira Sotto Maior, Tratado da Cidade de Portalegre, Temas
Portugueses, INCM, CMP, Gráfica Maiadouro, Vila da Maia, 1984.
Cortesia
de INCM/CMP/JDACT