Resenha historiográfica de Chaves
«(…) Com efeito, esta década
marca, na historiografia flaviense, o incremento do leque de temas a
desenvolver e o estabelecimento de novas posturas epistemológicas associadas às
origens do traçado urbanístico de Chaves. Em 1990, Firmino Aires, colaborador de Rodríguez Colmenero nas intervenções
arqueológicas levadas a cabo na década de 80, publica um compêndio dos
topónimos da cidade de Chaves, intitulado Toponímia Flaviense, que
corresponde, mais do que à adscrição de ruas a determinados períodos
históricos, a um enunciado das histórias
e lendas associadas a cada um dos eixos viários da cidade. Ainda no mesmo ano,
destacam-se as obras de Nuno Pinto Dias, intituladas As cidades de
fronteira de Portugal com a Galiza e Chaves medieval: séculos
XIII e XIV, profusamente imbuídas na corrente de alguns historiadores portugueses
que preconizava um ermamento inerente
ao processo de Reconquista, encetado por Afonso I. Determinava-se, deste
modo, a criação de uma nova corrente de investigação em defesa da génese
medieval de Chaves, por oposição à tese filo-romana,
presidida por António Montalvão. Nuno Dias defende a fundação e
povoamento da cidade por iniciativa régia, na segunda metade do século XIII, no
reinado de Afonso III.
O processo de Reconquista
constitui, igualmente, um ponto central na obra de Mário Jorge Barroca (1990-91), intitulada Do
Castelo da Reconquista ao Castelo Românico (séc. IX a XII), tema que o
mesmo autor retoma, em 2004, num
artigo publicado também na Revista Portugália, desta feita intitulado Fortificações
e Povoamento no Norte de Portugal (Séc. IX a XI). Em 1993, Paulo Amaral defende a sua tese
de mestrado, subordinada ao tema O Povoamento Romano no Vale Superior do
Tâmega - Permanência e mutações na Humanização de uma Paisagem. Esta obra
constitui o resultado de continuadas investigações sobre a cidade romana e o
mundo rural adjacente, contribuindo de forma significativa para o avanço nos
conhecimentos sobre a evolução urbana da cidade de Aquae Flaviae. Dela fazem parte, igualmente, um importante e
avolumado compêndio onde constam as evidências arqueológicas descobertas ou
recolhidas até à data da sua publicação, bem como dos habitats romanos identificados nas proximidades de Aquae Flaviae.
No mesmo ano, Paulo Gomes
apresenta a sua tese de mestrado, intitulada Arqueologia das Vilas Urbanas
de Trás-os-Montes e do Alto Douro. A reorganização do povoamento e dos
territórios na Baixa Idade Média (séculos XII-XV), numa linha de
investigação claramente filiada nas obras de Nuno Dias. No entanto, as asserções
de Paulo Gomes, a propósito da cidade medieval, parecem denunciar uma postura
mais tolerante em relação à génese do traçado urbano da cidade e à sua extensa
ocupação anterior ao século XIII. Em 1994,
Rafael Alfenim, num artigo dedicado à A Barragem de Aquae Flaviae,
analisa o sítio arqueológico do lugar
de Abobeleira e aventa alternativas às funções tradicionalmente
propostas para esta estrutura hidráulica. Em 1996, Ricardo Teixeira defende a sua tese de mestrado, intitulada De
Aquae Flaviae a Chaves. Povoamento e organização do território entre a Antiguidade
e a Idade Média, uma obra notoriamente análoga à de Paulo Amaral, muito
embora referente a um período cronológico diferente. O início do século XXI
constitui um ponto de viragem nas investigações sobre a evolução urbana da
cidade, graças, sobretudo, ao aumento do número de intervenções arqueológicas
realizadas, quer por organismos privados, quer pelo Gabinete de Arqueologia da
Câmara Municipal, que se constitui como o principal responsável pela gestão e
salvaguarda do património arqueológico. Estas intervenções têm permitido, por
sua vez, engrossar o volume das publicações, sob a forma de relatórios ou
artigos, contribuindo, igualmente, para introduzir novas interpretações acerca
das sucessivas ocupações que a cidade foi alvo.
Assiste-se, ainda, a publicações
que reflectem sobre as considerações tecidas ao longo das décadas anteriores,
tais como as revisões dos relatórios da Direcção Geral de Edifícios e
Monumentos Nacionais, actualmente disponíveis num sitio dedicado a esta
instituição, já extinta. Em 2008,
Ricardo Teixeira retoma o tema do Povoamento e organização do território nas
regiões de Chaves, Vila Real e Lamego (Séc. IX – XIV), no III Congresso de
Arqueologia de Trás-os-Montes, Alto Douro e Beira Interior, enquanto Paulo Gomes
publica um estudo sobre a evolução urbana da cidade, intitulado Chaves e as
suas Fortificações. Estudo histórico, arqueológico e evolução Urbana e Arquitectónica.
Para além da evolução do sistema defensivo medieval e moderno de Chaves, o
autor analisa as consequências provocadas na malha urbana pelas sucessivas
alterações das referidas estruturas defensivas.
Objectivos
O
estudo da evolução urbana da cidade de Chaves, desde a sua fundação romana até
aos nossos dias, constitui um tema extremamente aliciante, não só pelo seu
carácter inovador, mas também, pelo enorme desafio que representa. Contudo,
dado o elevado volume de dados que um estudo desta natureza implica e os
limites de tempo que possuímos, centrar-nos-emos num período cronológico mais
restrito, designadamente, na análise da paisagem urbana flaviense nos períodos
romano e medieval. Assim, pretendemos com este trabalho dar início a um estudo
que tem por finalidade reconstituir a forma urbana que caracterizou a cidade no
período de ocupação romana e medieval, bem como perceber as transformações que ocorreram
entre estes dois momentos, através da implantação de uma nova metodologia com
provas dadas em outras cidades históricas, como o caso de Braga. Para a
concretização do objectivo geral deste trabalho, contribuíram um conjunto de
objectivos específicos que permitiram traçar a evolução morfológica entre a
época romana e a época medieval, bem como aferir a continuidade ou descontinuidade
urbanística existente entre os diferentes momentos de ocupação da cidade. Para
o estudo da cidade romana de Aquae
Flaviae, definimos como objectivos específicos: reavaliar a localização
dos eixos estruturantes da cidade (Kardus e decumanus maximus) e as ruas secundárias, bem como a
localização do forum; propor uma malha teórica segundo a qual a
cidade se organizaria, designadamente a dimensão e a localização de algumas insulae,
bem como a orientação da cidade romana nos períodos alto e baixo-imperiais
e por fim analisar a localização e funcionalidade de alguns edifícios». In
João Manuel Gonçalves Ribeiro, O Tecido
Urbano Flaviense, de Aquæ Flaviæ a Chaves Medieval, Universidade do Minho,
Mestrado em Arqueologia, Instituto de Ciências Sociais, 2010.
Cortesia
da UMinho/JDACT