Metida no Mosteiro de Santa Domingo de Toledo
«(…) Além das dúvidas que gera esta carta sobre o verdadeiro destino
dos quinhentos florins que o mercador tinha
mandado dar à infanta de Portugal, as palavras da rainha permitem
reconstituir, de maneira aproximada, o que acontecera à pequena Joana depois da
morte em Toledo do infante Enrique de Aragão, quando, provavelmente, os homens
do condestável de Castela tentaram afastá-la da custódia da pessoa a quem D.
Leonor a confiara antes de morrer, María de Silva. Esta hipótese é alimentada
pelo conteúdo de uma carta escrita pouco depois pela rainha de Aragão, na qual
pedia a protecção da infanta ao nobre e
amado devoto nosso Pedro Lopez de Ayala, o qual, além de alcaide de Toledo
pelo infante Enrique, era marido de María de Silva.
Não contente com isso, a rainha de Aragão assinou nesse mesmo dia uma
carta dirigida à venerável religiosa e
amada nossa prioresa do convento toledano, com a intenção de lhe anunciar
iminente chegada do seu embaixador, enviado para falar com ela sobre certos assuntos
pertinentes relacionados com a infanta D. Joana, que está agora na vossa pousada. É provável que, perante a incerteza
vivida em Toledo depois da morte do infante Enrique de Aragão e a intervenção
dos homens do condestável de Castela para se apoderarem da cidade, D. Joana
tivesse sido levada para esse convento para se evitar o seu sequestro. Por mais
que a coitada rainha de Aragão dissesse que fora ali metida, insinuando que isso fora levado a cabo pela comitiva
de Álvaro de Luna, tudo faz pensar que essa arriscada operação fora obra de
María de Silva, já que o mosteiro escolhido para internar a infanta fora
fundado por uma antepassada sua de origens portuguesas. Além disso, as duas
últimas prioresas do referido convento, mãe e filha, tinham pertencido à casa dos
Ayala, linhagem do marido de María, a primeira das quais engravidara aos treze
anos, supostamente depois de ter sido violada pelo rei Pedro I de Castela, o Cruel.
Mais de quarenta anos antes, o anterior rei de Castela, tio de D. Leonor
de Portugal, encarregara a essas duas mulheres a escolha das amas de leite dos
seus filhos, o agora rei de Castela e a irmã, primeira mulher do falecido
infante Enrique de Aragão, uma infanta chamada a dos louros cabelos. De maneira que o lugar onde tinha sido internada
Joana não podia ter sido mais bem escolhido, se o que se queria era proteger a
criança e ao mesmo tempo despertar a compaixão do monarca castelhano. A
vinculação daquelas prioresas a Pedro I, o
Cruel levara, além disso, a que vários descendentes daquele, meninos e
meninas de origem bastarda, tivessem recebido ali a sua primeira educação. Uma
relação que seria determinante, no futuro, para o destino de D. Joana. Mas que
não o seria menos nesse momento. Entre as mulheres descendentes de Pedro
educadas naquela prestigiosa casa conventual destaca-se Catalina de Castilla,
neta por bastardia de Pedro, o Cruel
e que em 1441 professara votos como
monja.
Esta desempenharia muito provavelmente o ofício de mestra de D. Joana
durante o período em que a infanta habitou dentro daqueles muros. Depois de ter
vivido tempos com grande miséria,
segundo a sua tia aragonesa, a infanta portuguesa encontrou-se num dos
mosteiros femininos de maior prestígio de Toledo. Uma casa habitada por mulheres
dotadas de grande cultura religiosa e humanística mas também interessadas pela
política e pelas intrigas cortesãs. Uma descrição do século XIX destaca neste
convento o pátio principal (...) com
arcadas num dos lados, o meridional, esbelto e elegante, com admiráveis
portadas com dintéis, circundadas, em parte, de ornamentação de gesso de estilo
mudéjar, sobressaindo escudos heráldicos religiosos (...) e o esbelto salão, Que
deveria ser assim no século XV, artesonado». In A Rainha Adúltera, Joana de
Portugal e o Enigma da Excelente Senhora, Crónica de uma difamação anunciada,
Marsilio Cassotti, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-626-405-5.
Cortesia da E. dosLivros/JDACT