De
Voltaire a Pombal
«(…)
Já, a Restauração abrira a Portugal as portas da Europa. Di-lo José Sebastião
Dias: Uma das consequências da
restauração nacional de 1640 foi o
reatamento das nossas relações culturais com o mundo exterior à Península. Os
portugueses tiveram então uma bela oportunidade para descobrirem o novo pensamento
universal, quer viajando por terras estranhas, quer ouvindo na pequena casa
lusitana os peregrinos de outra origem. E isto não apenas porque nos
libertámos do abraço sufocante, e aprisionante da Espanha, mas porque,
politicamente, estrrategicamente, precisávamos de outros apoios, e a França, a
França ambiciosamente europeia, continental e rayonnante de Richelieu, foi um
deles, e esse apoio trazia uma aproximação cultural. Que será também ,oficial,
pelo menos ate à Guerra da Sucessão. Portugal tinha sido, culturalmente, sob a
ocupação espanhola, o inquisitorialismo, a escolástica, o insularismo. É contra
a sobrevivência deste carácter, a sua transposição subtil para o Portugal
restaurado, que se ergue o padre António Vieira. Ao qual se sucedem homens como
os Ericeiras, com o seu cenáculo afrancesado do palácio da Anunciada, dos fins
do século XVII e princípios do século XVIII, animado por Serrão Pimentel,
Manuel Azevedo Fortes e, sobretudo, o padre Rafael Bluteau, crítico da
escolástica, simultaneamente cartesiano e experimentalista, apologista dos modernos. Entram em Portugal homens como
os padres João Baptista Carbone e Domingos Carpasso, o naturalista suíço
Merveilleux, o inglês Luís Baden, que vem ministrar o seu curso de filosofia
experimental, o anatomista Santucci, que, no entanto, será proibido de fazer
dissecações em cadáveres humanos. Porque, se o século XVII português se
acelerava, e se europeizava, e avistava já o século XVIII, o passado tinha o seu
lastro, a sua força e os seus aliados.
É
o combate entre os jesuítas e os oratorianos que, no seu centro de ensino do Convento
das Necessidades, assumem Newton e Locke, combate que tem por pano de fundo
outro combate maior, aquele que se trava entre o grupo conservador e o grupo
cosmopolita. O médico judeu Jacob Castro Sarmento, que vivia em Londres, começa
a traduzir, a, pedido de Lisboa, o Novum Organom, de Bacon. Surge, por
ordem expressa do monarca João V, o grande monumento empirista, anti-inatista,
anti-escolástico anti-feudal, de Verney, que defende a liberdade e igualdade
originárias de todos os homens e aponta para a origem contratualista do poder
político. Silva Dias afirma: A polémica
do Verdadeiro Método é o colofon cultural do Barroco no nosso país, do mesmo modo
que o duelo Pombal-jesuítas é o seu epílogo na ordem política. A expulsão dos
filhos de Santo Inácio encerrou definitivamente o período doutrinário iniciado
com a sua introdução no Colégio das Artes. Na verdade, o iluminismo não
está à espera de Pombal para travar o seu combate contra o barroco e para se ir
instalando. O ouro, o rendimento do tabaco, do açúcar, do pau-brasil, do
comércio de escravos africanos, se não são investidos na criação de meios de produção,
de um aparelho económico que nos permita resistir à dependência (apesar da
criação de unidades fabris de papel, de vidro, da fundição de Santa Clara e
Lisboa, da fábrica das sedas, etc….), pagam o fausto que a inteligência e a
criatividade, em larga medida importadas, vão arquitectar, esculpir, pintar e
musicar: será o aparato de Mafra, o estilo dito João V, as companhias de
ópera italianas. O rei está já apoiado por estrangeirados:
Bartolomeu Gusmão, Alexandre Gusmão, Luíz Cunha, o engenheiro Azevedo Fortes. Mas
cuidado porque iluminismo, sim, ma non
troppo. Tem o seu significado preciso o facto de o iluminismo ter sido,
neste país, consideravelmente transportado, e proposto, por sectores da Igreja.
E, sobretudo, ter sido assumido, instrumentalmente, operacionalmente, pelo
poder político.
A
estratégia de Pombal é um iluminismo de Estado, aristocrático. O seu conflito com
alguns sectores da aristocracia e a sua afirmação de que o comércio era uma
profissão nobre concilia-os ele com um ensino cuidadosamente ministrado segundo
a função social de cada um e com o robustecimento da preparação da aristocracia
ao serviço do aparelho de Estado. O facto de Pombal ter como aliados os homens
do comércio colonial e os tabaqueiros e o facto de Pombal ter como adversários
os Távoras e o Aveiro não significam nem uma opção nem o confronto entre o
Estado e a aristocracia. O Estado pombalino é simultaneamente absolutista e
aristocrático». In Artur Portela, Cavaleiro de Oliveira, Aventureiro do Século XVIII,
Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Temas Portugueses, Lisboa, 1982.
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