O
sistema que constituía o mosteiro era uma estrutura de espaço com
funcionalidades carregadas de referências sociais e simbólicas, cuja
arquitectura a todas as suas escalas produzia significados através das suas
referências e procedimentos, nos quais estavam sempre implicados relações
sociais de poder.
In Lígia Silva, A arquitectura dos conventos de clausura
das clarissas em Portugal.
Arquitectura monástica. A vida
conventual
«Para o
posterior entendimento da realidade do Mosteiro de Santa Marta pensa-se ser
pertinente começar por especificar as características da vida contemplativa,
assim como as características do programa religioso, pois foi este o elemento
gerador responsável pela criação destes lugares singulares que encerram poesia
e simbolismo. Cada ordem possuía diferentes concepções da vida sagrada, que
eram espelhadas no seu edificado, através da sua dimensão, orientação,
organização funcional, método construtivo e linguagem formal associada ainda à
linguagem arquitectónica do tempo. Os conventos são assim uma tipologia
essencial para se entender a sociedade portuguesa desde a formação da
nacionalidade, espelhando a sua relação com a religião, a comunidade e o papel
da mulher. A arquitectura desde sempre acompanhou as necessidades da
sociedade respondendo na matéria aos problemas levantados pelo homem. Os
edifícios que foram construídos para albergar os diversos tipos de comunidades
divergiram na sua forma de acordo com os fins determinados pelo tipo de vida
ditado pelas diferentes regras, sendo o seu programa arquitectónico a resposta
às funções que desempenhavam. Pretendia-se que a espiritualidade das
casas femininas estivesse acima das casas masculinas. Não se considerava
adequado para uma mulher dedicar-se à vida eremita e mendicante. A maioria das
ordens criou o seu ramo feminino, dedicado à contemplação e oração, tendendo
gradualmente para a clausura. As casas religiosas foram centros geradores de vida,
não só religiosa como civil e artística. Responsáveis pela fixação de
populações e crescimento das cidades, enriqueceram também a vida pública, o
conhecimento e a cultura. Os seus cantos transmitem-nos, ainda hoje, como
que tendo ficado para sempre indelevelmente gravados nas suas pedras e no eco
das abóbadas, a força das ideias religiosas e políticas, o poderio económico e
o mistério, que contribuíram para fundação e vivência das suas comunidades.
Mosteiros Femininos
Os
mosteiros sempre foram elementos geradores e servidores das cidades. As ordens
religiosas auxiliavam a vida da cidade, a nível não só espiritual como
educacional, medicinal ou de apoio aos órfãos. A sua localização era sinónimo
de poder, de demonstração e afirmação do poder régio e alvo de disputa por
parte da nobreza e do povo. Os mosteiros são sistemas que se estruturam através
de espaços carregados de referências sociais e simbólicas, em que a arquitectura
produz no seu desenho significados, a diferentes escalas, descrevendo sempre
relações de poder. No caso dos mosteiros femininos o mundo interior do mosteiro
constituía a esfera privada, doméstica e feminina, enquanto o mundo exterior
representava a esfera pública, masculina, que se impunha constantemente. Por
outro lado, o carácter de clausura e sobriedade, de contido em si e nas suas
fachadas, aumentava a curiosidade do mundo
de fora em relação a estes sistemas, que sempre se revelaram permeáveis. El
género feminino, considerado más vulnerable, hizo de los monasterios
verdadeiras casas fuertes, edifícios encerrados sobre si, de espaldas para el
mundo, en los cuales su arquitectura acaba por ser una metáfora al
enclaustramiento, estableciendo un dialogo entre los cuerpos encerrados dentro
de muros y la piedra que los construía, respondendo de esa forma a los
problemas derivados de las clausuras. Los edifícios reproducían espacial y
materialmente, un universo de tensiones, repleto de contradiciones,
sucessivamente captadas através de las aluciones encontradas para gestionarlas
y materializarlas. Independentemente da ordem ou estilo arquitectónico
a que pertenciam, os mosteiros tinham traçados e organizações internas
similares, devido à uniformidade existente nas exigências do seu programa
comum: a vida religiosa em comunidade fechada, originando assim uma tipologia
comum, constituída pela Igreja conventual e respectivo coro. Existia sempre
a sala do capítulo, a biblioteca, o refeitório, e o
claustro, no piso térreo, enquanto elemento agregador de todos os espaços
comunitários; no piso superior a presença constante de dormitórios a toda a
volta do claustro, constituídos por celas individuais. A presença de terrenos
agrícolas para recreio e produção, agregado ao edifício, a cerca, era também regra. O primeiro elemento definidor destes
espaços femininos é a presença de grades e muros, elementos arquitectónicos que
asseguravam a vivência da clausura. A
regra base de criação destes espaços era a separação entre o mundo exterior e
interior, gerando vários dispositivos de mediação entre os dois mundos,
reflectindo-se na duplicação de espaços nas fronteiras. Estruturas
comunicáveis, separadas por dispositivos físicos de mediação entre o espaço
público e o fechado. Os conventos viviam na dependência dos alimentos que
produziam nos seus hortos, cultivando também flores para a ornamentação dos
altares e plantas medicinais e aromáticas que providenciavam os símplices para
a botica do convento». In Ana Rosa Amaral, O Claustro Enquanto
Lugar, A Reabilitação como Motor da Vivência, Tese de Mestrado, Universidade de
Lisboa, Faculdade de Arquitectura, FAUL, Lisboa, 2014.
Cortesia
de FAUL/JDACT