quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Um Problema Religioso. Cátaros. Um Pretexto Político. Jesus Mestre Godes. «O jogo manipulado pela lgreja, ainda que motivado por razões religiosas, é raivosamente polírico até à evidência. Inocêncio III, a partir de Roma…»

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«O catarismo é um fenómeno histórico que pode ser observado segundo dois pontos de vista: para uns, é uma religião evangélica, para outros, trata-se de uma clara heresia…»

Lenguadoc. Século XIII
As Forças Políticas
«(…) Seja como for, Pedro achou-se no centro do furacão. E esforçou-se muito para se esquivar da tragédia que, em nossa opinião, veio a abater-se sobre ele. Ele era, de facto, mais talhado para batalhas contra inimigos a cavalo que contra imprecisos hereges. Apesar das polémicas e das discussões não serem o seu forte, foi muitas vezes chamado ao Languedoc para falar com uns e outros, e todos ao mesmo tempo, e tentar fazê-los entrar na razão. Convenhamos que o papel de Pedro I não era fácil: por um lado, parecia-lhe indiscutível que o Languedoc formava parte do território natural da expansão catalã-aragonesa. Contar com Raimundo VI como aliado era uma perspectiva difícil, mas não impossível, como se verificará nas horas mais negras da Cruzada. Os Trencavel eram aliados incondicionais do rei católico: bastava só esperar por um momento oportuno, talvez um casamento?, para que passassem de vassalos a simples súbditos territoriais da Coroa.
O mesmo é dizer que, falando em termos medievais, terras e homens podiam chegar a depender de Pedro I, sempre e quando, naturalmente, este se pusesse a seu lado. Por outro lado, havia a heresia cátara, instalada, clara e crescente. E a atitude irredutível de Inocêncio III, o mesmo papa que o tinha coroado. O problema de Pedro I era o mesmo de Raimundo VI, com todas as matizes e gradações de diferença particulares, mas idêntico no essencial. A Coroa de Aragão, igual à do rei de França, era um estado jovem, como os seus reis, com brio, a que tudo sorria. O território tinha crescido e os cavaleiros das quatro barras eram respeitados e temidos em todo o horizonte medieval: são os anos dourados de conquista, ou reconquista, de criatividade, que naquele momento se definia pelo sistema militar e político.
Traçámos um esboço das forças políticas que vão estar presentes na Cruzada, muitas das quais se viram envolvidas nela contra as suas próprias intenções e vontade. Existe, apesar de tudo, uma força política da qual não dissemos nada: a Igreja Católica. O jogo manipulado pela lgreja, ainda que motivado por razões religiosas, é raivosamente polírico até à evidência. Inocêncio III, a partir de Roma, decide solucionar um problema de primazia religiosa, por meio de manobras políticas e tropas militares. Contudo, a Igreja está a defender qualquer coisa muito grave naquele começo do século XIII: o ser ou não ser da sua hegemonia religiosa, bastante afectada pelo Islão. A eclosão e o desenvolvimento do catarismo tinham alcançado uma difusão e penetração extremamente perigosas no seio do Languedoc católico. Na Lombardia e no Império Germânico, também se tinha enraizado de maneira mais grave a heresia, que se propagava em ambas as vertentes da Catalunha pirenaica, na França do norte e na Provença, ainda que com menor intensidade. O catarismo estava, enfim, presente em todos os lados.
É o momento único para a Igreja, uma conjuntura de proeminência ou retrocesso, com muitos elementos à mistura. Com o objectivo de definir a situação política do momento, seguindo o pensamento de Riu, permitam-nos adiantar que, poucos anos depois do início daCruzada (1209), produzem-se três factos históricos que fixam, quase definitivamente, o desenho do mosaico da Europa moderna. Somente três anos depois, no ano de 1212, ocorre a batalha de Navas de Tolosa, onde a coligação católica hispânica determinou com a sua vitória o fim do predomínio árabe na península. Um ano depois (1213) vírá Muret. Este representou, apesar de tudo, um forte travão às aspirações da Coroa de Aragão de se expandir até ao norte, e colocou todas as cartas nas mãos dos reis de França, que souberam jogá-las muito bem no momento oportuno, consolidando assim a sua fronteira meridional. Não tinha decorrido mais de um ano (1214) quando, em Bouvines, os franceses configuraram pelo norte e pelo este os seus limites, quase os mesmos da actualidade. 1212, 1213, 1214, três anos em que, enquanto a Cruzada seguia o seu curso, a História ia definindo o futuro político desta Europa Ocidental». In Jesus Mestre Godes, Els Cátars, Problema religiós, pretext politic, Cathari, Ediciones Península, 1995, ISBN 84-8507-710-8., Origens, Desenvolvimento, Perseguição, Extinção, Editora Pergaminho, 2001, Cascais, ISBN 972-711-297-8.

Cortesia de Pergaminho/JDACT