Como se conhece o futuro? Uma teoria da prospectiva. Necessidade e
limites da prospectiva
«(…) Toda e qualquer reflexão sobre a necessidade e a
possibilidade da prospectiva deve partir deste facto: vivemos nume época de
crescente complexidade em resultado das aceleradas modificações nos âmbitos sociais,
económicos, políticos e culturais. Esta circunstância tem uma consequência
directa no conhecimento do futuro. As estáveis estruturas sociais das
sociedades anteriores podiam antecipar o futuro sem receio de grandes equívocos
considerando-o como continuação da tradição. Na sociedade contemporânea, porém,
as experiências do passado servem cada vez menos quando precisamos de
indicações para a acção futura. Se de alguma coisa podemos estar certos é de
que as nossas expectativas vão ser confirmadas em muito menor medida (Nassehi,
1993). Uma sociedade da inovação é inevitavelmente uma sociedade da
decepção, isto é, da previsão falhada, curta de vista acerca do seu próprio
futuro. O futuro torna-se mais incerto do que nunca.
Quando as coisas mudam com grande rapidez, os dados do presente
são menos relevantes para se tomar uma decisão; por isso se torna necessário um
trabalho imaginativo para interpretar os sinais dos tempos. Estamos, por assim
dizer, condenados a fazer o esforço de conhecer o futuro. Dadas a necessidade
de antever o futuro e a dificuldade de o fazer observando simplesmente a
realidade ou recorrendo ao mero senso comum, não há saída que não seja
compensar essa dificuldade com um procedimento especial. Nisto reside a justificação
da prospectiva, que não provém do saber mas de um desconhecimento estrutural do
futuro, que nós tentamos compensar com os processos das ciências. A evolução da
prospectiva a partir dos anos sessenta do século passado explica-se por essa
necessidade de enfrentar cientificamente a perda de certeza social acerca do
futuro. A abundante oferta de prognósticos que todos podem consultar e incluir
nas suas planificações não significa que tenhamos por fim ao nosso dispor um
futuro que estava escondido de outras civilizações. Acontece até o contrário: a
crescente insegurança acerca do mundo em que viveremos dentro de dez ou
cinquenta anos torne necessário um esforço compensatório para recuperar alguma
confiança nas nossas previsões com os meios artificiais da ciência. No passado,
era menos difícil entrar em relação com o futuro, e por isso era menos sentida
a necessidade de aguçar os nossos instrumentos de previsão.
O ministro que hoje se serve de um relatório científico não
só tem ao seu dispor uma coisa de que anteriormente qualquer administração
carecia como recebe também uma coisa de que anteriormente nenhuma administração
precisava. As nossas tentativas de assegurar o domínio da realidade mediante
processos científicos desempenham as funções de uma prótese. Ora bem: nenhum
instituto de prognósticos está em condições de reproduzir a estabilidade
orientadora que outrora era assegurada por tradições vivas, ou seja, quando a
futurologia ainda não tinha sentido. A futurologia é a tentativa de restabelecer
na medida do possível a calculabilidade das condições da nossa acção com os
meios artificiais da ciência. Podemos celebrar a nossa capacidade de
antecipação como um verdadeiro progresso, mas não deveríamos esquecer que essa
alegria é comparável à do míope que põe uns óculos. Os mesmos motivos que
tornam inevitável a prospectiva estão na origem das suas enormes limitações.
Numa sociedade que corre atrás da inovação, premeia a capacidade criadora e
favorece a individualização, num mundo dinâmico que se distingue das sociedades
tradicionais porque as suas estruturas não foram pensadas para durar nem os
comportamentos são especialmente predizíveis, reduz-se a estabilidade e a sua
segurança estrutural. A dificuldade de adquirir competência em relação ao
futuro é o preço que temos de pagar pelo avanço do conhecimento e pelo
crescimento socioeconómico. Numa civilização acelerada, a prognosticabilidade
diminui porque crescem as dificuldades de compreensão, com as nossas
categorias, de processos que são extremamente complexos. Entre as novas ignorâncias,
uma das mais evidentes é a que decorre da impredizibilidade dos movimentos
iniciados. Muitas das mudanças sociais subtraem-se ao controlo racional, à
planificação, à programação ou à previsão. Consequências aleatórias,
imprevistas, riscos dificilmente reconhecíveis, desempenham agora um papel mais
relevante do que nas chamadas sociedades industriais. No entanto, a diminuição
da certeza sobre o futuro não deve ser entendida como a antecâmara de uma perspectiva
sombria, como se o desconhecimento fosse sempre um presságio do pior». In Daniel Innerarity, El Futuro y sus inimigos, 2009, O Futuro e os seus
Inimigos, Teorema, 2011, ISBN 978-972-695-960-1.
Cortesia de Teorema/JDACT